segunda-feira, 1 de agosto de 2011

XI - Réquiem para Joaquim


Segue mais um capítulo do Réquiem para Joaquim, escrito nas noites chuvosas e frias desse inverno. Que seja de seu agrado, meus caros.

XI – E, se for preciso, apenas não faça nada.

Acordei com frio e com uma fraqueza tamanha. Acordei em meio a tudo que estava espalhado em minha vida. Foi assim, meus caros, que despertei naquela manhã silenciosa. Os remédios haviam cumprido sua promessa e, agora, eu havia acordado ou retornado de uma viagem inesquecível. Na dúvida, aceitei o desafio e revirei várias roupas pelo quarto, preparando-me para a jornada.

Olhei meu rosto no espelho e, em um ímpeto de raiva, esmurrei o espelho, cortando minha mão. A raiva daquela imagem, agora já distorcida, me fez chutar algo que estava no chão e, então, um copo se partiu. As coisas não estavam bem. Ao ver as gotas de meu sangue caindo ao chão e manchando as roupas e o tapete, percebi o quanto era frágil, o quanto era humano e que minha condição de mortal em sua fragilidade doentia me exigia uma resposta. Ainda que estivesse autorizado a errar, eu deveria ter forças suficientes para logo adiante ser mais e melhor. Era disso que se tratava a vida e eu estava falhando comigo ao continuar errando.

Lavei as mãos e, mesmo assim, o sangue corria como o leito de um rio revolto. Enrolei minha mão em uma camiseta velha e pressionei para estancar o sangue. Depois de um tempo tudo parou. Até mesmo a raiva de mim. Como tinha pressa, larguei a camiseta no chão e fui. Disse “até breve” para Colombo e segui rumo a minha vida.

A noite quente de Caracas me recebeu tão graciosa que acreditei estar, realmente, fazendo as pazes com meu passado. Fui direto a um hotel do centro e me hospedei no quarto 503. A vista era muito agradável, e da pequena sacada eu via a imensidão do azul da piscina. Fumei um cigarro enquanto colocava uma dose de whiskey em meu copo. Liguei a televisão e, no canal interno do hotel, Miles Davis preenchia meu coração com “Blue in green”. Apesar da viagem ser cansativa, eu me sentia tão tranquilo que não vi as horas passarem. O vento cintilava ao redor de meu corpo cansado. Quando os cigarros acabaram, adormeci entrelaçado as minhas lembranças.

No dia seguinte fui até o cemitério “General Del sur” e, após algum tempo, encontrei os túmulos de Alicia e Henrique. Depositei rosas brancas em seus túmulos e então permaneci sentado em silêncio, procurando acalentar meu coração nas recordações de Alicia e na certeza de que ela cuidava de nosso pequeno onde estivesse. Quando decidi me levantar e sair, senti meu mundo girar e acabei por errar a saída. Caminhando por entre os túmulos, fiquei pensando em tantas coisas e me questionei sobre a razão de minha vida e minha vinda a Caracas e, para meu espanto, a resposta estava na Cruz Mestra no centro do cemitério. A alta cruz branca, rodeada de velas e flores trazia inscrito PAZ, disposta tanto na vertical quanto na horizontal.

Compreendi que se tratava de um sinal e, posso confessar-lhes, que aquilo me trouxe um sopro de tranquilidade. Caminhei por entre as ruas tão mudadas daquela velha cidade que havia me abrigado em tempos difíceis. Como eu havia sido feliz naqueles tempos com coisas tão pequenas. Parei em alguns lugares, mas os rostos, agora estranhos, não me diziam mais nada. De alguma forma eu havia cumprido minha missão. Era hora de seguir sem olhar para trás.

Voltei para o hotel com a indubitável certeza de um novo destino. Até pensei em visitar antigos amigos, mas não poderia contraria o universo naquele momento. Quando o restaurante do hotel começou a servir o almoço eu já estava sentado nas cadeiras charmosas de um deck próximo a piscina. Sem muitas demoras fui ao aeroporto, o avião partiria logo no fim do dia.

A manhã cinzenta e fria de Paris me recebeu com o vento batendo em meu rosto como que querendo me abraçar. Logo eu estava, outra vez, na frente do Cluny Sorbonne. Pierre, um bonachão que parecia ter a idade daquelas paredes, ainda lembrava de mim e me chamou pelo nome. Quase me senti em casa. Enquanto fazia o check-in ele me perguntava de Colombo. Ao contrário da noite anterior, eu estava muito cansado e, após um banho quente, apenas me restava dormir. A garrafa de whiskey que Pierre havia, gentilmente, solicitado que deixassem em meu quarto, ficaria para outro momento.

Apesar do ímpeto que me levara a Paris, sentia-me tão confortável naquela cama que acordei próximo ao meio dia. Era estranho, mas cada vez que me olhava no espelho, sentia-me melhor, com mais cor, com mais brilho, com uma certa esperança, ainda que o olhar ainda trouxesse um sofrimento ímpar.

O almoço foi na última mesa do restaurante do próprio hotel, de forma que não pudesse ser importunado. Sai pelas charmosas ruas de Paris e comprei as flores mais bonitas possíveis, para depois, descer as escadas do metrô. Notei o contraste entre as flores e o cinza da maioria de pessoas que, em silêncio ou em babélicas conversas, acompanhavam meu destino, ainda que por um tempo. Tentei imaginar quantos me encorajariam se soubessem de meus propósitos. Uma menina acompanhada de seu avô me sorriu e logo desceu.

Em pouco tempo eu já estava numa rua qualquer ou, talvez, na rua que me traria respostas. Por um momento me detive, observando o discreto letreiro da “livres et papeterie Fernet”. Na verdade fui praticamente arrastado por duas senhoras que, apressadas, entravam agora. Deparei-me com Sophie e ela ficou totalmente sem reação diante de minha estagnação. Incomodada, pediu que uma funcionária mais velha continuasse o atendimento das senhoras que pareciam mal humoradas e veio ao meu encontro.

O tempo não parecia ter passado para ela e sua jovialidade ainda lhe dava formas tão dóceis e um olhar tão encantador. Parada em minha frente, contemplou-me por algum tempo, até acabar por me abraçar, numa mistura de riso e lágrimas. Senti em meus braços o doce amargo da saudade e da descrença, no afago de uma pele estranha, alguém que eu já desconhecia, como se fosse outro corpo e outra alma, jamais as de minha amada.

- Joaquim! Eu não acredito que você esteja aqui na minha frente. Não sei o que lhe dizer ou como me portar. – Suas mãos pareciam incomodar-lhe – Eu achei que você estivesse morto!
- E eu estava. – limitei-me a sorrir nervosamente com o canto da boca, muito desconcertado pela situação.

Notei que ainda segurava o ramalhete de flores e então as entreguei. Ela, estranhamente, apenas largou-as sobre o balcão. Posso parecer precipitado, mas senti as flores murchando no toque das finas mãos de Sophie. Creio que ali estava outro sinal.

- Sophie! Eu gostaria de conversar com você, mas não quero atrapalhar seu trabalho.
- Preciso de um segundo, volto logo. Sente-se e me aguarde.

Por mais que o tom de sua voz fosse de repentina alegria, ela saiu, pegando as flores e entregando para sua secretária que recebeu a incumbência de colocá-las em um vaso com água. As fileiras de livros acompanhavam agora, solidárias comigo, o murchar das flores diante de tanta indiferença. Lembrei-me que essa era a beleza das flores, murcharem para mostrar a efemeridade do tempo.

Sophie apareceu minutos depois, com uma roupa cinza que, apesar de tudo, ainda lhe dava um ar de beleza. Saímos para caminhar e meus pés nos conduziram aos jardins do Louvre. Sentamos próximo a um chafariz e fiquei observando a beleza do lugar. Após algum tempo de silêncio em que parecíamos tentar recompor uma eternidade de ausência, começamos a conversar. De certo modo, nenhum dos dois se sentia preparado para conversar sobre a noite em que Sophie, simplesmente, desapareceu de minha vida.

Não aguentei a angústia que arrebatava meu coração e lhe pedi que me dissesse o que havia acontecido. Fugindo de meu olhar, Sophie fitava o balançar das folhas dos plátanos. Nesse transe, ainda sem olhar para mim, ela respondeu.
- Eu fiz o que me pareceu certo.
- Como assim Sophie? Não consigo entender. – Eu estava exaltado pela resposta tão simples que ela me oferecia.
- Eu fiz o que me pareceu certo.
- Tentei durante tantos anos compreender o que eu poderia ter feito para que você tivesse sumido.
- Joaquim. Eu me apaixonei por você, mas nosso amor seria impossível. Você era apenas um estrangeiro cheio de sonhos, mas sem posses ou condições financeiras. Como eu poderia lhe apresentar para minha família?
- Não acredito no que estou ouvindo, Sophie. – suas palavras, ainda que despretensiosas, machucavam, com tanta força, meu coração.
- Eu fiz o que me pareceu certo, Joaquim. Você não me amava verdadeiramente, não seja tolo!
- Isso não é verdade, você foi fraca e egoísta, Sophie!
- O que mais? Fale! Ofenda bastante!
- O tempo pode ter passado para nós, mas eu ainda sei quando você mente, pois, nessas situações, você não responde o que pergunto, mas apenas diz “o que mais”?
- Joaquim, nosso relacionamento não se manteria ao longo do tempo. Você era inconstante como o vento!
- Sophie, você está me chamando de pobre? Foi por isso que você preferiu sumir da minha vida? Por eu ser um pobre estrangeiro?
- Joaquim, não seja tolo. Sempre admirei sua inteligência e a forma divertida de me intrigar com seu conhecimento, mas você não tinha futuro.
Indignado com tais perversas palavras, agora eu começava a remontar um quebracabeças de tantas peças faltantes.
- Muito bem Sophie, já entendi o que você pretende dizer, e já me basta para o dia de hoje. Percorri o inferno perdido na certeza de ter perdido você e ao descobrir que você ainda estava viva, só tive a intenção de reencontrá-la, pois convivi durante anos com uma ferida aberta, pela sua ausência. Agora descubro que não era digno de estar ao lado da Madame de Fernet.
- Joaquim, não precisa me ofender!
- Não estou lhe ofendendo, mas veja o que falou!
Decidi levantar e sair, mas ela me segurou pelo braço.
-Joaquim, espere. Não vá. Ainda não.
- Não há motivo ou razão para eu ficar, Sophie. Resolvido o passado, agora é hora de pensar no futuro, e não será ao seu lado. Você me traiu da forma mais cruel possível.
- Eu não lhe traí. Tenha certeza disso. Eu não lhe traí. Segui apenas a razão.
- Como tratar o amor mais puro e verdadeiro com razão?
- A razão precisou falar mais alto, e precisei guiar meus instintos para no futuro não sofrer. Amei-o o suficiente para deixá-lo ir.
- Pois bem. Se assim o fez, é porque não me amou. Precisei sofrer tanto por você, para no final, perceber que nossos caminhos eram distintos, pois no fundo, não éramos nada iguais, éramos apenas dois estranhos com carência de amor, tentando nos apoiar na carência do outro.

Ela levantou e então, estendendo a mão, me pediu:
- Você vem comigo?
- Não Sophie. – Disse-lhe com muita tristeza e coragem. Nossos caminhos não se cruzam mais nessa jornada. Aguardarei você partir e tomarei a direção contrária.
- Como se fosse possível outro destino! Tão tolo Joaquim!
- Eu amei a pessoa errada. Apenas isso. Amei que não estava disposta a me amar. Isso é um fato, ainda que o mais dolorido de todos.
- Fala no amor como se a vida se resumisse a isso.
- Então a tola és tu, pois a vida sem amor é como um corpo sem alma.
- Você e suas poesias baratas, não é a toa que o melhor foi tê-lo deixado.
- A poesia barata que um dia lhe fez sorrir?
- E se sorri, do que me adiantaria! Viveria uma vida de sorrisos simples ao lado de um jovem sem futuro?
- Estou cansado. Agora é hora de você ir. Volte para sua vida medíocre. Eu tratarei de seguir um novo caminho.
- Vejo que está desapontado comigo, Joaquim!
- Não Sophie. Eu estou desapontado comigo, por acreditar em você.

Foi assim, meus caros, que, com o coração feito um cristal quebrado pelo descuido do amor de uma mulher, em tantos pedaços quanto imagináveis, eu segui, sem rumo, pelas ruas frias de Paris. Engraçado agora estar assim tão perdido, mesmo tendo encontrado a paz que havia buscado e da qual fugi por tanto tempo.

No final daquela tarde cheguei ao hotel e fui direto para o chuveiro. Dessa vez não escutei qualquer voz ou presságio. Apenas o som da água que caía, e, junto com tantos pensamentos, seguia pelo ralo. Não conseguia entender como parecia tão difícil que pudesse ser feliz. De certa forma, compreendi que nunca me permiti ser feliz, amparando-me nas recordações de alguém que, de forma cruel e consciente, permitiu-se se afastar de mim e me isolar no ártico da saudade. O velho dilema voltava agora a minha cabeça, nesse instante: como abrir uma porta que já estava aberta?

Recostado na cama, comecei a folhar Bukowski enquanto uma barata correu de lado a lado do quarto. Pensei em levantar-se e matar a infeliz, mas hesitei, pensando ser uma parenta de Kafka. Ri sozinho e preferi continuar a leitura, até adormecer.

Foi fácil abrir os olhos para aquele dia, ainda que sem qualquer perspectiva do que seria feito de tal imediato. Aproveitei para passear pelas ruas desconhecidas, por entre pessoas desconhecidas e por uma vida que se iniciava no instante em que apoiava um passo atrás de outro, no concreto antigo daquelas ruas. Resolvi afinar meu francês e comecei a conversar com um senhor que estava sentado em um bistrô, bebendo sua taça de vinho.

Seu cão o acompanhava na apreciação do passar do tempo e tivemos uma conversa muito proveitosa. O Senhor Jean Le Mars era uma pessoa fascinante. Logo me contou sobre sua vida, sobre as guerras que havia enfrentado, sobre a tristeza dos amores partidos e do dia em que, ao retornar para sua cidade natal, viu sua casa, a casa que habitar quando fora criança, destruída pelo tempo.
- Joaquim, meu jovem, a vida é muito curta para sofrimentos. – os olhos se enchiam de lágrimas ao lembrar de tantas coisas que havia passado.
- Mas o que fazer com pensamentos que atormentam tanto, Monsieur Le Mars?
- os pensamentos são como pedras que carregamos em nossa alma, Joaquim. Quantos realmente você deseja continuar carregando?
- Tens razão, Monsieur, tens razão!
- Não Joaquim. O tempo é o senhor da verdade e foi ele quem me ensinou. Aproveita esse ensinamento enquanto tens uma vida. Que teus anos vindouros sejam os melhores.
- Temo não ser possível. O que eu devo fazer?
- Joaquim, temes o que, afinal? Repensa o que peso de cada pedra e o que deseja realmente carregar em tua caminhada. Ouça a voz do silêncio e, se for preciso, apenas não faça nada.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Discoteca - e na vitrola agora toca...

Marinheiro Bob, em suas navegações, encontra peças preciosas....

abaixo uma canção para aquecer os corações e rememorar os anos 80....

terça-feira, 14 de junho de 2011

Esquecer para não sofrer?

Esquecer para não sofrer?
por Alexandre Nicoletti Hedlund


Pensando um pouco em política, ou melhor, pensando um pouco mais sobre política, enquanto ouvia algum noticiário sobre as diversas questões políticas que esse país continental bombardeia por dia, detive-me pensando em um fato ocorrido há poucos dias, mas que saí de foco rapidamente, vítima ( sim, vítima) de outras notícias das mais diversas naturezas.

A poeira que vem do Chile, a chuva que destrói a China, o brotinho que mata a Alemanha, tudo acaba servindo de pretexto para se esquecer do Brasil e das coisas que os brasileiros privilegiados em sua atividade democrática tem feito. Não falaremos mais sobre a corrupção que assola o país de norte a sul e trabalha como verme em madeira sã?

Esquecemos tais lesões a nossa cidadania para não sofrer, do estilo: "eles só batem em nossa cidadania quando precisam, mas precisam todo dia!!".

Acho que precisamos repensar até que ponto essa passividade latente na comunidade brasileira é salutar, pois de nada adianta modificar tantas leis como se está a fazer, se, por outro lado, não há questionamento com relação a quem modifica tais leis.

Não seria oportuno uma medida protetiva contra a corrupção?

Preciso refletir mais sobre, mas acho que por enquanto, vamos apanhando, vamos esquecendo, vamos perdoando, até o dia em que seja tarde demais.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Réquiem para Joaquim - Capítulo X

Embora eu tivesse prometido que esse projeto teria apenas 10 capítulos, conviver com Joaquim, durante tantas páginas e histórias, fez-me seu amigo, de forma que, autorizado pela brevidade da vida que nos cerca, preferi escrever mais uma ou outra linha, transformando o "X" capítulo em dois ou três.
Por isso, segue abaixo, o X capítulo que, se apresenta como tal, jamais como o último. Alterei coisas nos primeiros capítulos, mas deixairei tais mudanças para a edição em livro (sonho que um dia realizarei).

Que apreciem Joaquim.


X – Joga-te e descobre

A escuridão cobria minha visão como nas noites vazias, frias e silenciosas do prenúncio do inverno. Em meio àquela escuridão houve luz e novamente a escuridão. Depois a visão ficou turva por uma névoa que surgia lentamente. Logo um vulto se aproximou envolto à neblina e, mesmo a distância, eu o reconheci.
- Caronte, meu velho amigo!
Ele apenas se limitou a sorrir o sorriso dos justos.
Agora eu me dava conta de onde estava e, principalmente, o que derradeiramente seria feito.
- Que belo barco escolhestes para a jornada!
Ele me encarou de alto a baixo, enquanto eu apalpava meus bolsos na vã tentativa de encontrar as moedas.
- Joaquim, seu tolo! Como pretendes viajar se não podes pagar o preço?
- Creio que me pegastes desprevenido.
- Tolo, tu te preparastes tanto para essa jornada e esquecestes do pagamento? Lamento mas te custará caro.
- Como assim?
- Não percebes que a travessia das vidas mal vividas, incrustadas de tristeza e amargura, custa muito além do que tu podes pagar.
- Caronte, meu nobre barqueiro! Não consigo compreender o que pretendes dizer.
- Acompanho tuas amarguras há tanto tempo Joaquim, ou tu pensas que os que habitarão o submundo não são acompanhados desde que começam a desprezar suas vidas?
- Quanto trabalho! – lamentei o labor de Caronte.
- Tu não imaginas quanto, mas gosto do que faço e o chefe não costuma aparecer por aqui. Sou praticamente um autônomo.
Rimos em meio à neblina que envolvia o barco.
- Por acaso tu não tens uns copos para um drink?
Assustado Caronte me olhou.
- O quê? Mesmo nessa hora tão tua tu pretendes beber?
- Se a hora é minha, vamos beber em grande estilo. Acompanha-me?
- Não sei se devo, estou dirigindo.

Rimos novamente e percebi que lhe faltava companhia nesse lugar esquecido pela luz. Embora não tivesse trazido as malditas moedas, não me esqueci de minha preciosa garrafa de Whiskey. Servi-lhe uma generosa dose e aproveitei para acender um cigarro.  O barulho do isqueiro ecoou pela escuridão. Sentamo-nos.
Confesso-lhes, meus caros, que foi uma conversa muito agradável.
- Não lembro de alguém que tenha aparecido com uma dessas especiarias. – Caronte sorvia a bebida com muito apreço.
- Pois então brindemos a vida e a morte!
- Não meu caro, brindemos a vida, pois eu sou a morte.
- Caronte – eu não conseguia parar de rir – tu és uma figura! Se os mortais soubessem o quanto tu és divertido, não lhe temeriam como a morte!
- Joaquim – ele não conseguia parar de rir também – tu és tão amigável quando queres que não consigo entender como deixou tua vida se esvair pelo ralo.
- Também não sei direito, meu caro, mas a vida não foi justa comigo por tanto tempo, deixando as pessoas que mais amei irem com o vento. Quando me vi no espelho, já não me reconhecia mais, já não tinha um sorriso a oferecer, não tinha mais sentido em buscar alguém, pois logo tu farias o teu serviço e eu ficaria sozinho novamente.
- Apenas faço meu trabalho! Espero que entendas!
- Compreensível, mas me questiono a razão de tantas vezes tu ter conduzido meus mais próximos. Por que trouxestes Alicia e meu pequeno filho?
- Eu não os trouxe, eles foram à luz.
- E Sophie?
- Sophie não morreu.
- Não morreu? Então o que houve com ela, pois eu a procurei por tanto tempo e nunca obtive nenhum sinal.
- Não pense mais nisso. Esqueça. Não há mais tempo para isso.
- Tentei esquecê-la, mas não consegui. Amei-a com tanta ternura que minha vida terminou quando eu a perdi. Dali em diante foram apenas tropeços e erros acumulados ao longo do trajeto.
- Joaquim! Creio que seja tarde para falarmos dela. Conte-me mais de Colombo. – Caronte parecia incomodado com a conversa.
- Espere um pouco. Antes me diga o que pretendes esconder mudando o rumo da conversa.
- Não posso falar sobre Sophie, ordens superiores.
- Como assim? O que está acontecendo aqui?
- O chefe me mata se eu contar!
- Caronte, mas tu és a morte. Logo, não podes morrer.
- Está bem! Tu tens sido uma boa companhia e sempre torci que tu vivesses plenamente.
- Conte-me então.
- Em algum momento daquele dia em que tu te encontrarias com ela, houve alguma coisa que mudou o rumo das coisas. Por escolha dela e dos caminhos que ela pretendia seguir, ela não foi ao teu encontro.
- Custa-me crer nisso que me contas.
- Pois é a verdade. Na noite em que vocês se encontrariam e que tu pretendias oficializar o pedido de casamento, ela, pressentindo tal acontecimento, preferiu silenciar o coração e deixou que tu fosses embora. Não duvido que ela até o amasse, mas foram escolhas dela. Adiante ela se arrependeu, ao que me consta, mas alguém próximo a ela, querendo o afastamento de vocês, tratou de informá-la que tu tinhas morrido no regresso, de forma tão verossímil que ela, relutante, acreditou.
- Meu Deus, o que é isso que tu me contas!
- A verdade. Ela sofreu durante algum tempo e nunca se recuperou totalmente, mas a vida seguiu.
- Mas onde ela está agora?
- Ela vive em Paris. Não se casou embora os pretendentes fossem tantos. Tem uma livraria perto do Louvre. Creio que tu passastes na frente com Colombo, mas não a observou.
Fora de mim, levantei e tentei ver uma saída.
- Preciso voltar a viver!
- Tenha calma Joaquim! Não há saídas aqui.
- Caronte, meu ilustre barqueiro, se há entrada, há saída. Eu preciso voltar a viver! Tu não entendes que a razão do meu sofrer se constituiu em não ter Sophie ao meu lado? Agora que sei a verdade, preciso regressar e ser feliz!
- Pobre Joaquim, como pretendes me convencer que tua felicidade dependia de outra pessoa? Tolo és tu ao pensar assim. A felicidade deve estar em ti, nos teus atos, na tua disposição para a vida.
- Caronte meu nobre! Ajuda-me! Ajuda-me!
- Temo não poder ajudá-lo.
- Mas eu preciso entender isso antes de fazer a travessia. Essa é a razão de tal conversa, que eu entenda os motivos!
- Está bem, mas há uma condição!
- Qual seja, estarei disposto.
- Quero que tu dês uma prova de amor verdadeiro pela vida ao retornar para tua vida. Recomeça a viver e seja teu maior amigo, seja aquele que te protege de ti mesmo nos momentos de fraqueza. Aquele que te fortalece e te dá inspiração para viver plenamente a vida pelo tempo que te restar.

Estava realmente surpreso com a proposta de Caronte, pois esperava algo totalmente diferente. Refleti e então lhe disse:
- Está bem, eu aceito a condição, mas peço que eu possa retornar de tempos em tempos para conversarmos.
- Tua disposição me deixa feliz, embora não seja comum que eu, o barqueiro, sinta-me feliz!
- Agradeço-te, oh Caronte, pela confiança.
- Pega em teu bolso esquerdo uma moeda de cobre, segura-a na mão, e pula na água.
- Como assim? Não tenho nada nos bolsos.
- Tu achastes que teríamos uma porta aqui? Quem garante que isso não é apenas um sonho, meu nobre Joaquim? Joga-te e descobre se tu não estás a dormir.
Aquilo ecoou em minha mente. Uma angústia tomou conta de mim.
- Não serão os teus lamentos como a névoa que encobre a noite, mas que se dissipa ao calor do sol? Será que não encobres tua vida com uma névoa, impedindo que o calor do sol dissipe-a e tu possas ver claramente as belezas da manhã?
- Joga-te e descobre!

domingo, 5 de junho de 2011

Felicidade vol. 2

Fantástico...

já me deu várias ideias para novos projetos....

Felicidade nos tempos da era digital

Em um frio domingo de junho eu me senti tão triste e uma fraqueza tomou conta do meu peito. Talvez a falta de sol, talvez a postura, talvez tanta coisa que a própria indefinição das coisas pudesse provocar.
Assim, caminhei passos pesados contra o vento e de certo modo, quando percebi, já estava no sol, já estava melhor, já estava aquecido e a cantar... 

o que eu cantava? poderia ser um segredo, mas acima de tudo, devemos, em tempos digitais, compartilhar a simplicidade das coisas que possam trazer felicidade as pessoas.

escutem o que eu cantava hoje quando dia parecia iniciar tristemente...
Lupicínio cantou comigo...

terça-feira, 31 de maio de 2011

Direto da casa de máquinas...

Marinheiro Bob me mandou há muito tempo atrás, direto da casa de máquinas, e hoje, ao acordar meio com frio, meio com sono, mas totalmente disposto a ser melhor que ontem, vislumbrei-me cantando essa...


E como diria Jesus - "quem tem ouvidos, que ouça!"

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Uma dose de remédio ou de veneno

Uma dose de remédio ou de veneno
por Alexandre Nicoletti Hedlund

 "Tirem minhas riquezas, mas não tirem minha liberdade..." acho que já ouvi alguém falando isso, mas ficou pessoal para um transeunte que voltou de viagem ontem a noite. Confesso, meus caros e caras, que apesar dos buracos, pedágios e pormenores, a viagem fez revigorar minhas forças para continuar transeunte e querer seguir.

Além do objetivo principal que era um concurso, tive a honra de conhecer duas pessoas fantásticas (Andrea[Old] e Joaquim[Fran]). Essas duas pessoas com certeza entram diretamente para o rol dos amigos desse transeunte, pois conseguiram em pouco tempo me fazer rir e retomar as estradas da escrita que haviam sido abandonadas por um tempo.

Mais que isso, pude rever três pessoas que admiro desde sempre, Old e Francelize, meus amigos "das noites vazias, de uma boemia, sem razão de ser..." e a querida Moema que encontrei no agradável frio do bloco vermelho da PUC...

Por último, não poderia deixar de lado as lindas canções - e como não seriam, sendo de quem são - da "banda mais bonita da cidade"...cantando com Leo Fressato.




Com isso tudo, ficou uma dúvida sobre a viagem. Para um transeunte como sou, uma viagem dessas é veneno ou remédio?

Aos que esperavam comodismo e calmaria, total opacidade, insanidade e letargia, torceram por veneno.
Aos que, torcem pelos infortúnios bem sucedidos deste que vos escreve, um doce elixir.

Assim, só posso dizer que remédio ou veneno, volto a escrever com tanta voracidade que mal caibo nesse mundo.

Fica o registro, ainda que parcial, visto que a viagem foi muito mais que isso, mas do resto, só cabe a mim.


Beijos e abraços,


Alexandre.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Good morning, Good Morning!

Enjoy it!
 

Good Morning, Good Good Morning
(The Beatles)
Composição : Lennon / McCartney

Nothing to do to save his life call his wife in
Nothing to say but what a day how's your boy been
Nothing to do it's up to you
I've got nothing to say but it's O.K.
Good morning, good morning, good morning...

Going to work don't want to go feeling low down
Heading for home you start to roam then you're in town.
Everybody knows there's nothing doing
Everything is closed it's like a ruin
Everyone you see is half asleep.
And you're on your own you're in the street.

After a while you start to smile now you feel cool.
Then you decide to take a walk by the old school.
Nothing has changed it's still the same
I've got nothing to say but it's O.K.
Good morning, good morning, good morning...

People running round it's five o'clock.
Everywhere in town it's getting dark.
Everyone you see is full of life.
It's time for tea and meet the wife.

Somebody needs to know the time, glad that I'm here.
Watching the skirts you start to flirt now you're in gear.
Go to a show you hope she goes.
I've got nothing to say but it's O.K.
Good morning, good morning, good...


sábado, 14 de maio de 2011

Interrogatório

Interrogatório
 
disponível em www.willtirando.com.br

quinta-feira, 28 de abril de 2011

uma frase... apenas isso...

"Decidi não buscar a felicidade, ela que se organize e me encontre pelo caminho" 
por Alexandre Hedlund

terça-feira, 19 de abril de 2011

o fim

O fim


caros, as vezes é preciso dar fim a algumas coisas para iniciar outras... e é pensando nisso que dou por encerrado esse blog.

Foi uma experiência interessante, mas por enquanto não é algo que consigo alimentar, e assim, só me resta, encerrar.

Agradeço por todo incentivo, mas agora é hora de seguir, transeunte que sou.


Quanto ao último capítulo do Réquiem, ficará por enquanto, em segredo, pois é a peça principal do quebra cabeça de todo conto. Um dia, quem sabe, nessas caminhadas, ele se revele.

abraço a todos.

terça-feira, 8 de março de 2011

Uma nova estação

     Uma nova estação
Por Alexandre Nicoletti Hedlund

     Após uma longa caminhada na qual não esperava encontrar qualquer respostas para suas angústias, Antônio resolveu que era hora de sentar-se a mesa e comer. A sala e cozinha conjugadas deixavam o ambiente mais apertado, como sufocando seus sonhos, e era assim que ele se encontrava há muito tempo. Fitou a parede branca e percebeu pequenas rachaduras que, em conjunto, pareciam árvores no outono, dançando com o vento. Adiante percebeu um banco, vazio, e quis sentar-se nele. Adiante não havia nada além da parede branca com pequenas rachaduras.

     Sem qualquer receio, levantou-se, e bebeu água o suficiente para não sentir sede pelo resto da vida. Mas a parede ainda o chamava, de certo modo ela parecia querer contar-lhe algo, algum segredo que não pudesse perceber em outro momento de sua vida. Aquelas pequenas rachaduras, passavam agora a ser a melhor companhia de Antonio. Notou que sua desenvoltura e relevo permitiam agora uma certa calma, uma certa paz. A pouca luminosidade agora dava novos contornos as falhas da parede branca e as sombras do fim do dia lhe enfraqueciam a visão. 

     Voltou-se a sentar, agora disposto de outra forma, pois não conseguia se imaginar eternamente olhando para a mesma parede branca, sem ao menos tentar novas perspectivas, novos campos de visão, e o entardecer lhe proporcionava uma certa melancolia. Suas mãos dispostas sobre a mesa, lançadas, jogadas, já sem força, contrastavam com o mogno escuro que, por um momento, lembraram-lhe um caixão. Mas não havia tempo para fúnebres devaneios, apenas a parede branca e suas rachaduras, as mãos e suas rachaduras.

     De certo modo, agora percebia a similitude entre ambas. Mas muitos verões e invernos já haviam passado por suas mãos, que poderiam lhe contar muitos segredos que ele mesmo desconhecia, e que apenas atestavam os sonhos perdidos no tempo. 

     No fim não existia nada além disso, paredes e mãos, e então, em um ato de loucura pintou sua mão com tinta de calçados e a pressionou contra a parede, deixando sua mão pintada de preto nas rachaduras da parede branca. Notou que o novo contexto apenas retratava ainda mais as rachaduras da parede e as marcas e cicratizes na mão. Voltou-se a sentar e, assim, ficou, admirando a mão lançada no vento que batia nas árvores daquele outono, enquanto o banco vazio esperava por ele. Adiante não havia nada além da parede branca com seus sonhos que o vento levara.

     Cobiçou poder sorrir, mas a escuridão da noite se antecipara, e no silêncio, sem ao menos acender uma luz qualquer do ambiente, permaneceu. Agora era apenas ele, a parede branca com a mão de seus sonhos perdidos e o silêncio da escuridão. Olhava para a mão pintada de preto enquanto que com a outra, sustentava a cabeça, cada vez mais cheia de dúvidas, de anseios, de angústias.

     E da escuridão conseguiu ver novamente tudo, pois seus olhos iam se acostumando com as mudanças de tonalidades que a noite ia aconchegando e, por fim, pode novamente ver as rachaduras na parede branca e então, por algo mágico, digno dos contos romanescos, percebeu coisas que não precisavam ser explicadas a ninguém, pois ele, Antônio, já as havia entendido. Suspirou e no silêncio e no escuro caminhou em direção a parede branca, recostando-se de tal forma que logo já estava sentado no chão e então assim adormeceu, na vã tentativa de sentar-se naquele banco vazio e esperar uma nova estação.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Blefe

O Blefe
Por Alexandre Nicoletti Hedlund

As cartas jogadas na mesa
os olhos afoitos no ar 
e o destino? como confrontá-lo
na certeza incerta da cartada final

o verde veludo atestava a fraqueza
nada se podia, infelizmente, mudar
tantos sonhos jogados no ralo
agora só lhe faziam mal

 virou carta após carta
umas de valor, outras não
pouco a se considerar de quem errou

que vida ingrata!
não admite agora o perdão
daquele que, por tanto tempo, blefou.



terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

I´ll follow the sun - Beatles

I´ll follow the Sun - The Beatles
 

Embora não seja novidade alguma, essa também está entre as mais tocadas na discoteca do Marinheiro Bob. 

Ela diz muito mais do que parecem crer os olhos despercebidos dos passantes. Absolutamente indelével, sua letra e composição afirmam o pensamento positivo e a necessidade de ser transeunte, afinal,  amanhã talvez chova, então eu seguirei o sol...

abraços 

Transeunte Indelével

Em que estão eu te encontraria?

Em que estão eu te encontraria?


Caros cúmplices (leitores), a cada dia acompanho os acessos no blog e percebo que o número aumenta e provém dos mais diversos lugares do mundo. Sim, há transeuntes como eu que acessam a partir da Rússia, Estados Unidos e Europa, por exemplo.

Assim, diante de uma curiosidade própria daquele que é transeunte, pergunto e peço que se manifestem nos comentários....

Se eu, indelével de coração, transeunte de alma, pegasse um trem, navio ou avião, em que estão eu te encontraria?


Aguardo ansioso pelas respostas...


Abraços

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Uma rua chamada desilusão


Uma rua chamada desilusão
Por Alexandre Nicoletti Hedlund

Não era outono ou a estação do amor
E o dia não tinha nada de especial
Sequer havia o pôr do sol dos amantes
ou a garoa fina dos que sentem saudade

mas aos poucos foi crescendo uma dor
e o instante se fez vendaval
distorcendo o sorriso dos passantes
levando cada pedaço de felicidade

entre seus dedos o pobre homem tentava segurar
o que apenas a ele debaixo do sol cabia
com todas as forças que ainda lhe restavam
defendia seu precioso coração

mas certos caminhos da vida não se podem evitar
e o tolo homem já não sabia
mas seus passos na escuridão lhe conduziram
para uma rua chamada desilusão

e então se notou sem rumo, perdido
e nada lhe parecia familiar ao redor,
seu corpo se arrastava pela rua sem fim
rompendo o silêncio com seus sapatos

e mergulhando naquela rua, desiludido
sentia-se estranho em olhos cheios de torpor
na boca o gosto amargo da traição carmim
sentia-se mais sujo que os ratos

recostou-se num banco qualquer
que aquela cinza tarde agora lhe ofertava
e notou ao seu lado uma rosa despedaçada
poética pintura abstrata na paisagem

distante viu uma moça com traços de mulher,
em um sorriso assim ela o convidava
na alcova de seu peito fazer morada
e tolo, ele creu naquela miragem

e o pobre homem assim continuava
mirando nas vitrines suas fraquezas
sem entender os erros do passado
sem entender como as coisas são e para onde vão

e a rua, assim como a vida, logo ali acabava
e agarrando-se novamente as poucas certezas
da paixão que agora haviam lhe arrancado
procurou dobrar a esquina, dessa rua desilusão.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Acalento ao coração

Acalento ao Coração
Por Alexandre Nicoletti Hedlund 

Ao abrir a porta da rua
veio-lhe de imediato a imagem
a certeza do silêncio da noite
e a chuva que ensaiava cair

e talvez pela ausência da lua
talvez pela solidão da paisagem
tudo lhe ecoou como um açoite
que ele teimava em sentir

as pernas lhe pesavam ao subir
multiplicando as escadas na escuridão
e não lhe permitiam chegar
na sala onde os quadros lhe alertaram

o que pretendes ouvir?
nesse espaço repleto de solidão
não há ninguém a lhe esperar
somente lembranças que restaram...

Então lhe foi necessário abandonar
as coisas em um canto qualquer
e a se olhar no espelho e enfrentar
pois precisava novamente viver

e tentou ser corajoso e lutar
contra a essência do perfume da mulher
que enfeitiçava por completo o lugar
e que jamais lhe permitiria esquecer

Recostou-se na parede tão fria
sem poder evitar a tristeza
que lhe trazia agora a lembrança
que lhe fazia agora chorar

e naquela cena triste e vazia
pôde então sentir a leveza
como um sopro de esperança
lhe fez assim suspirar

e ainda que estivesse sozinho,
por mais que escapasse à razão
sentiu o tempo parar um momento
lhe era concedido sonhar,

com a delicadeza sutil de um carinho
arrebatando-lhe o coração
na ternura do gesto, acalento 
daquela que prometera amar.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

sobre o tempo...

Poeminha de improviso, inspiração porém sem talento
sem muito labor ou suor, me conduzo apenas por lamentos
quem sabe em outra vida, eu receba o dom que outros tem
em um pacote bem feitinho, e possa do meu jeito, ser poeta também.


Sobre o tempo...
Por Alexandre Nicoletti Hedlund

Esses dias me peguei pensando
nas coisas que o tempo cura
e naquelas que ele insiste em manter
presas de algum jeito

E conforme o tempo ia passando
a mente refletindo muda
somente senti a força de sofrer
pondo estacas no peito

e o tempo sábio por si
no silêncio insistiu na dor
de um sofrimento sem alarde

por isso, aprende e cuida de ti
conserva o que te tem valor
antes que a tudo seja tarde.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Da Série: se teu pai soubesse...

devaneio de transeunte...


o velho Karl Nietzsche chegava em casa depois de um dia de trabalho pesado na igreja. Sua amada esposa Franziska pediu-lhe, mesmo sabendo que havia se esgotado em seu labor, que pregasse algumas portas do armário da cozinha. Karl arrastou seu corpo até uma despensa onde tentou localizar as ferramentas. De repente se ouviu um grito:

- Friedrich Wilhelm! Onde está meu martelo!

Na sala, o menino de pouca força batia o martelo por tudo, descrente dos efeitos que podia produzir.








segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Réquiem para Joaquim - Capítulo IX

Este é o 9 e penúltimo capítulo desse conto que me acompanhou ao longo do ano, fazendo de Joaquim um amigo, assim como Colombo. Espero que gostem. 



IX – Não quero um abajur enfeitado.
 Por Alexandre Nicoletti Hedlund

Maracaíbo. Uma brisa batia e acalmava meu corpo deitado ao lado de Mercedes. Dois corpos suados numa tarde qualquer perdida no tempo. Não demoraria muito a escurecer quando levantamos com o barulho da rua. Eram senhoras com cestos de roupa na cabeça que cantavam antigas músicas do sofrimento da escravidão e da liberdade. Nua, Mercedes contava da janela o que acontecia do lado de fora. Uma prévia do paraíso se desenhava em suas costas banhadas por tons alaranjados do pôr do sol.
- Acorde Guido! Acorde! Estamos chegando ao Rio. – Joaquim já de pé, alcançava nossas bagagens de mão.
Levantei meio sonolento e saímos, embora eu não tenha lhe dado muita atenção, preocupado mais por não ter conseguido mudar as coisas para Joaquim. Sequer poderia imaginar que ele já preparava outra aventura.
- Preciso ir a um lugar antes de seguirmos viagem.
- Você está maluco, irmãozinho? Precisamos seguir “adelante”.
- Fique tranquilo, apenas me siga. Preciso fazer uma coisa antes de irmos embora do Rio e você fará comigo.

Nem imaginei contrariar Joaquim, pois ele estava mesmo decidido a ir a algum lugar. Tomei a iniciativa de pegarmos um táxi enquanto ele procurava um jornal do dia. No caminho eu tentava me localizar e cheguei a discutir com o taxista, pois achei que ele estivesse nos enganando. Joaquim apenas riu da situação, pedindo calma de minha parte, mas sua atenção se voltou para outra coisa que demorei um pouco a entender. Era um menino no trânsito. Não que eu fosse insensível, mas depois de ver tantos meninos pobres pedindo dinheiro nos cruzamentos da vida eu já não me deixava atingir por isso. Talvez isso acontecesse com a maioria das pessoas que passavam por ali naquele instante, pois ninguém parava para lhe comprar um doce ou lhe ajudar. “Confortável omissão” pensei comigo, pois se os outros não fazem nada, também nos sentimos confortáveis em nada fazer. Nesse instante Joaquim mandou o táxi parar e quis sair pelo meio do movimento de carros. Tentei impedi-lo, pois me pareceu uma maluquice sem sentido, mas ele conseguiu se desvencilhar e foi por entre os carros, sem encontrar o menino.

Desconsolado resolveu caminhar um pouco e concordei, pois a viagem de Paris havia me deixado com dores nos joelhos. Coisas da idade.
- Você sabe quem foi Barata Ribeiro, Guido?
- não sei não irmãozinho.
- pois eu vou te contar. – Joaquim estava alegre por poder me ensinar algo. Eu deixei que continuasse.

Passado isso, logo estávamos na praia. Joaquim logo foi absorvido por seus pensamentos e eu apenas o respeitei. Tive de ajudá-lo a acordar para atravessarmos a av. Atlântica. Quando chegamos à praia ele quis se sentar por uns instantes. Pensei em aproveitar aquele vento gostoso e a sombra para cochilar, mas algo me impediu. Hipnotizado pelo mar e pela beleza de um azul magnífico de tantas tonalidades condensadas em um mesmo céu vi Joaquim chorar. Na verdade foram algumas poucas lágrimas que relutaram em cair, mas por final, vencidas, seguiram por seu rosto. Aquilo me fez ter esperança de que as coisas haviam mudado em Paris. Deixei-o sentado e fui molhar meus pés naquela imensidão de mar. Lembrei de um poema de Galeano, sobre o pai que leva o filho para ver o mar pela primeira vez, mas Joaquim estava tão concentrado que não pareceu correto lhe atrapalhar.

O sol estava se pondo quando achei por bem que voltássemos para o aeroporto. Quando chegamos à casa de Joaquim, liguei para Mercedes para avisá-la de que já estávamos bem e que em alguns dias estaria em casa. Mercê pediu que eu retornasse pois Lúcio havia chego em casa. Isso poderia estar mudando o rumo das coisas, mas eu resolvi ir ver meu filho, pois a saudade era muito grande. Prometi a Joaquim que voltaria em breve sem dar muitas explicações de minha viagem.

Ele não gostou muito de minha viagem, mas compreendeu. Creio que Colombo também, pois veio sentar-se ao meu lado antes de eu partir. Por um motivo que não pude entender Joaquim me entregou uma cópia das chaves de sua casa e fez questão de que eu soubesse algumas rotinas de Colombo que, por sua vez, já estava dormindo no tapete da sala. Deixei-os e segui para casa.

Era pouco depois do meio dia quando dobrei a rua das castanheiras, no alto norte da cidade. Mercê me esperava na porta, feliz por meu retorno. Os anos tinham lhe sido muito generosos e ela continuava tão bela como na primeira vez que a vi. Veio e me abraçou, passando seu braço em volta de meu corpo e me conduzindo para o interior de nossa casa. Lúcio, meu filho mais velho, havia chego de uma viagem pela América latina e estava almoçando. Beijei-lhe a testa e fui lavar o rosto e as mãos para também almoçar.
- Que saudade de sua comida, Mercê! – fiz lhe um carinho no rosto.
- Como está Joaquim?
- nada bem, mas falemos disso depois – respondi.
- Lúcio, me conte de sua viagem.

Lúcio era um jovem de dezenove anos que na mistura perfeita das raças desabrochava uma beleza única. Havia retornado de uma viagem de dois meses por vários recantos da nossa querida América Latina. Após escutar cada detalhe de sua grande aventura, prometi que na próxima eu iria com ele, afinal, ainda tinha esse espírito em mim, além de uma grande mochila. Era muito bom estar em casa e passei uma tarde agradável com minha família. As histórias e percalços da viagem de Lúcio me fizeram esquecer Joaquim por um tempo. No final daquela tarde, Mercedes comentou que aquele céu alaranjado que se espalhava por todo céu e aquele calor todo lhe trazia a sensação de estar em Maracaíbo.
Sentados nas bancadas da cozinha, enquanto Mercê preparava um prato especial para a janta em família, retomamos a conversa adiada.
- Joaquim não está nada bem e creio que nossa viagem para Paris não rendeu muitos frutos.
-Pobre Joaquim. Já sofreu tanto e parece não conseguir desfazer a névoa escura que lhe ofusca a vida.
- Enquanto ele passeava com Colombo eu tentei contatar algumas pessoas que pudessem nos ajudar, mas nada deu certo. – enquanto íamos conversando eu comecei a cortar os tomates.
- Termine logo esses tomates – disse Mercedes dando risada, pois sabia que eu era muito lento.
- Sim, Mercê! Está quase pronto.
- Joaquim parece viver por viver. Acompanha as pessoas na rua, como tentando desvendar suas vidas, mas carece de vida própria. Colombo é a única coisa que o mantém vivo, mas temo pelo pior, pois Colombo está ficando velho e logo partirá.
- O que poderíamos fazer para ajudá-lo, quando ele sequer aceita ser ajudado?
- Não sei, mas ele precisa achar um sentido na vida.
- O que você pensa em fazer agora?
- Estou pensando em deixá-lo uns dias sozinho, até ter alguma ideia.
- Talvez seja melhor, afinal, é ele quem precisa construir as pontes.
- Sim, eu sei disso, mas me sinto no dever de salvá-lo dessa prisão.
- Termine os tomates, Guilhermo Seamann.
- Sim senhora! – rimos enquanto terminávamos de preparar a janta.

Todos sentados a mesa, Mercê em um vestido branco lindo que contrastava sua pele morena, Lúcio e Alfredo, meu filho do meio e Valentina, a mais nova. Alfredo, com quinze anos, ainda não sabia que ficaria de castigo por ter chego tarde demais do futebol com seus colegas e Valentina era minha pedra preciosa, uma princesa de doze anos. Sentado diante dessas pessoas especiais, não pude conter uma lágrima que queria transbordar de tanta felicidade.

Foi uma noite maravilhosa e meus filhos estavam tão afetuosos comigo que não pude deixar Alfredo de castigo. Ficamos acordados até tarde da noite, todos rindo e contando diversas histórias. Quando todos já estavam dormindo, Mercedes deitou-se ao meu lado e me beijou tão docemente que fizemos amor entre suspiros e o silêncio da madrugada. Ela adormeceu e eu não pude evitar, precisava agradecer a Deus por ter uma vida maravilhosa.

No outro dia liguei cedo para Joaquim. Prometi voltar na outra semana, pois precisava resolver algumas coisas. Ele entendeu, embora sua voz tenha me preocupado. Algo não estava certo no quadro geral das coisas. Voltei a minha rotina, trabalhando nas manhãs em meu escritório e dedicando minhas tardes aos menores. Valentina e Alfredo passaram a se interessar por história antiga e passavam muitas tardes comigo.

Liguei várias vezes para Joaquim que não atendeu nenhuma ligação. No começo achei que poderia estar no mercado, no banho, no jardim, porém com o tempo a preocupação aumentou e temi que tivesse cometido alguma besteira. Decidi que deveria voltar e avisei Mercedes que entendeu perfeitamente, mas decidiu que iria comigo.
- As crianças ficarão bem, Guilhermo.
- Está bem, mas vamos logo, pois estou com uma angústia muito grande.

Eram dez horas em ponto quando cruzamos o portão e ouvi Colombo latir. Fiquei um pouco mais tranquilo, mas os jornais dos últimos dias estavam na porta. Colombo veio ao meu encontro e então me levou até o quarto de Joaquim. Que terrível imagem, meu coração disparou instantaneamente.
- Mercê! Meu Deus! Não suba aqui.
- O que houve, Guilhermo!
- Não suba! apenas isso. Melhor você não ver isso.

O quarto estava devastado, como se um tornado tivesse entrado no ambiente. Roupas e garrafas de Jack Daniels jogadas por todos os lados. Achei melhor abrir as cortinas para ver o lugar e então, sobre a mesa, um papel me chamou a atenção.
Com as mãos trêmulas comecei a ler e o nervosismo só aumentava.

Caro Guilhermo, meu grande irmão!
Minhas forças para viver já não são suficientes para me manter em pé. Lamento muitas coisas nessa vida frustrada que levo, sem família, sem ninguém. Perdoe-me pela fraqueza em escrever isso, mas não tenho coragem de ligar e atrapalhar você. Lamento ter me afastado de você ao longo desses anos, principalmente por tantas vezes precisar de você e não ter ligado. Cuide de Colombo, ele está velho e rabugento, acho que puxou a mim. Ele gosta de Whiskey, assim como nós, mas não o deixe beber demais, senão ele pode falar alguma besteira. Hábitos nossos, apenas nossos.
Ele não gosta de comida feita em casa, por isso, embaixo do abajur enfeitado ao lado da cama tem dinheiro para as providências necessárias para sua alimentação nos próximos dois meses. Colombo precisa caminhar todas as manhãs, e tem um gosto específico por Plátanos. Assim, peço que localize um parque que os possua, para que ele não sinta as diferenças e não queira mais sair.
Entre em contato com essas pessoas abaixo e repasse os recados:
Cristine, minha secretária – Feche o escritório, ponha uma faixa de luto na frente. Você está de férias até segunda ordem.
Jeferson, do bar da esquina – Separe duas doses de Jack. Sem gelo, você sabe. Uma para mim, outra para a estrada.
Roberto, meu companheiro de bar – que ele beba algumas por mim.
Guilhermo – você mesmo, meu camarada. Nos vemos em breve, nessa vida ou em outra. Até lá, fique com o abajur, afinal, não quero um abajur enfeitado para onde vou.
Sophie  Eu te amei, mas a vida é feita disso, uma grande caixa de sonhos, viagens e chás que nunca vingaram’”

Quando terminei de ler em meio a tantas lágrimas e a indubitável certeza da morte de Joaquim, Mercedes estava ao meu lado.
- Meu Deus! O que esse homem foi fazer?
- é uma carta de despedida, Mercê!
- O que vamos fazer agora, meu Deus!
Totalmente desconcertado pela situação só pude lhe disse:
- Apenas ligue para a polícia.

Colombo sem muito entender, rondava a cama. Ficamos ali sentados por um tempo, apenas em silêncio, observando tudo e tentando entender o que havia acontecido. Meu pobre irmãozinho tinha aprontado mais uma das dele. Velho e tolo Joaquim.