Uma nova estação
Por Alexandre Nicoletti Hedlund
Após uma longa caminhada na qual não esperava encontrar qualquer respostas para suas angústias, Antônio resolveu que era hora de sentar-se a mesa e comer. A sala e cozinha conjugadas deixavam o ambiente mais apertado, como sufocando seus sonhos, e era assim que ele se encontrava há muito tempo. Fitou a parede branca e percebeu pequenas rachaduras que, em conjunto, pareciam árvores no outono, dançando com o vento. Adiante percebeu um banco, vazio, e quis sentar-se nele. Adiante não havia nada além da parede branca com pequenas rachaduras.
Sem qualquer receio, levantou-se, e bebeu água o suficiente para não sentir sede pelo resto da vida. Mas a parede ainda o chamava, de certo modo ela parecia querer contar-lhe algo, algum segredo que não pudesse perceber em outro momento de sua vida. Aquelas pequenas rachaduras, passavam agora a ser a melhor companhia de Antonio. Notou que sua desenvoltura e relevo permitiam agora uma certa calma, uma certa paz. A pouca luminosidade agora dava novos contornos as falhas da parede branca e as sombras do fim do dia lhe enfraqueciam a visão.
Voltou-se a sentar, agora disposto de outra forma, pois não conseguia se imaginar eternamente olhando para a mesma parede branca, sem ao menos tentar novas perspectivas, novos campos de visão, e o entardecer lhe proporcionava uma certa melancolia. Suas mãos dispostas sobre a mesa, lançadas, jogadas, já sem força, contrastavam com o mogno escuro que, por um momento, lembraram-lhe um caixão. Mas não havia tempo para fúnebres devaneios, apenas a parede branca e suas rachaduras, as mãos e suas rachaduras.
De certo modo, agora percebia a similitude entre ambas. Mas muitos verões e invernos já haviam passado por suas mãos, que poderiam lhe contar muitos segredos que ele mesmo desconhecia, e que apenas atestavam os sonhos perdidos no tempo.
No fim não existia nada além disso, paredes e mãos, e então, em um ato de loucura pintou sua mão com tinta de calçados e a pressionou contra a parede, deixando sua mão pintada de preto nas rachaduras da parede branca. Notou que o novo contexto apenas retratava ainda mais as rachaduras da parede e as marcas e cicratizes na mão. Voltou-se a sentar e, assim, ficou, admirando a mão lançada no vento que batia nas árvores daquele outono, enquanto o banco vazio esperava por ele. Adiante não havia nada além da parede branca com seus sonhos que o vento levara.
Cobiçou poder sorrir, mas a escuridão da noite se antecipara, e no silêncio, sem ao menos acender uma luz qualquer do ambiente, permaneceu. Agora era apenas ele, a parede branca com a mão de seus sonhos perdidos e o silêncio da escuridão. Olhava para a mão pintada de preto enquanto que com a outra, sustentava a cabeça, cada vez mais cheia de dúvidas, de anseios, de angústias.
E da escuridão conseguiu ver novamente tudo, pois seus olhos iam se acostumando com as mudanças de tonalidades que a noite ia aconchegando e, por fim, pode novamente ver as rachaduras na parede branca e então, por algo mágico, digno dos contos romanescos, percebeu coisas que não precisavam ser explicadas a ninguém, pois ele, Antônio, já as havia entendido. Suspirou e no silêncio e no escuro caminhou em direção a parede branca, recostando-se de tal forma que logo já estava sentado no chão e então assim adormeceu, na vã tentativa de sentar-se naquele banco vazio e esperar uma nova estação.
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