terça-feira, 8 de março de 2011

Uma nova estação

     Uma nova estação
Por Alexandre Nicoletti Hedlund

     Após uma longa caminhada na qual não esperava encontrar qualquer respostas para suas angústias, Antônio resolveu que era hora de sentar-se a mesa e comer. A sala e cozinha conjugadas deixavam o ambiente mais apertado, como sufocando seus sonhos, e era assim que ele se encontrava há muito tempo. Fitou a parede branca e percebeu pequenas rachaduras que, em conjunto, pareciam árvores no outono, dançando com o vento. Adiante percebeu um banco, vazio, e quis sentar-se nele. Adiante não havia nada além da parede branca com pequenas rachaduras.

     Sem qualquer receio, levantou-se, e bebeu água o suficiente para não sentir sede pelo resto da vida. Mas a parede ainda o chamava, de certo modo ela parecia querer contar-lhe algo, algum segredo que não pudesse perceber em outro momento de sua vida. Aquelas pequenas rachaduras, passavam agora a ser a melhor companhia de Antonio. Notou que sua desenvoltura e relevo permitiam agora uma certa calma, uma certa paz. A pouca luminosidade agora dava novos contornos as falhas da parede branca e as sombras do fim do dia lhe enfraqueciam a visão. 

     Voltou-se a sentar, agora disposto de outra forma, pois não conseguia se imaginar eternamente olhando para a mesma parede branca, sem ao menos tentar novas perspectivas, novos campos de visão, e o entardecer lhe proporcionava uma certa melancolia. Suas mãos dispostas sobre a mesa, lançadas, jogadas, já sem força, contrastavam com o mogno escuro que, por um momento, lembraram-lhe um caixão. Mas não havia tempo para fúnebres devaneios, apenas a parede branca e suas rachaduras, as mãos e suas rachaduras.

     De certo modo, agora percebia a similitude entre ambas. Mas muitos verões e invernos já haviam passado por suas mãos, que poderiam lhe contar muitos segredos que ele mesmo desconhecia, e que apenas atestavam os sonhos perdidos no tempo. 

     No fim não existia nada além disso, paredes e mãos, e então, em um ato de loucura pintou sua mão com tinta de calçados e a pressionou contra a parede, deixando sua mão pintada de preto nas rachaduras da parede branca. Notou que o novo contexto apenas retratava ainda mais as rachaduras da parede e as marcas e cicratizes na mão. Voltou-se a sentar e, assim, ficou, admirando a mão lançada no vento que batia nas árvores daquele outono, enquanto o banco vazio esperava por ele. Adiante não havia nada além da parede branca com seus sonhos que o vento levara.

     Cobiçou poder sorrir, mas a escuridão da noite se antecipara, e no silêncio, sem ao menos acender uma luz qualquer do ambiente, permaneceu. Agora era apenas ele, a parede branca com a mão de seus sonhos perdidos e o silêncio da escuridão. Olhava para a mão pintada de preto enquanto que com a outra, sustentava a cabeça, cada vez mais cheia de dúvidas, de anseios, de angústias.

     E da escuridão conseguiu ver novamente tudo, pois seus olhos iam se acostumando com as mudanças de tonalidades que a noite ia aconchegando e, por fim, pode novamente ver as rachaduras na parede branca e então, por algo mágico, digno dos contos romanescos, percebeu coisas que não precisavam ser explicadas a ninguém, pois ele, Antônio, já as havia entendido. Suspirou e no silêncio e no escuro caminhou em direção a parede branca, recostando-se de tal forma que logo já estava sentado no chão e então assim adormeceu, na vã tentativa de sentar-se naquele banco vazio e esperar uma nova estação.

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