segunda-feira, 25 de março de 2013

O (Des)encantamento - Por Alexandre Nicoletti Hedlund 



Encanta-me o século XXI em sua volatilidade e tecnologia atemporal. Provavelmente enquanto reflito sobre isso, já existem novos modelos de tantos utensílios e aparatos que não permitem uma escolha segura. Um tem uma função que o outro não tem. Há uma certa insegurança até mesmo com relação a compra, pois compra-se sabendo de sua - já - descartabilidade. 
Encanta-me o século XXI em sua multiplicidade de informações, o que parece eximir a caminhada pelo conhecimento. Enebriados que somos por essa pluviométrica informativa que nos molha, mas não permite o germinar de pensamentos mais profundos. Evoca-se terras fecundas, mas o que se percebe é terreno árido, do qual brotará pouca coisa. 
Encanta-me o século XXI em sua surpreendente filosofia instantânea que dispensa a veracidade e o folhear de um livro. Não há necessidade de ler um livro do qual se extraia um pensamento, visto que rapidamente se pode achar uma citação específica que faça sentido para toda uma vida, pelo menos naquele minuto. 
Encanta-me o século XXI na repentina resposta para tudo, presente em conselhos e soluções "près-à-porter" para as quais não nos encaixamos, o que nos obriga a rever as perguntas, pois, o oráculo da modernidade, ou pós modernidade como sinalizam alguns, não pode estar errado. A dúvida recai sobre a pergunta, sempre falha, jamais sobre as respostas. Nos resta o molde e a resignação em não nos moldarmos as exigências de uma ditadura que se anuncia. 
Encanta-me o século XXI em sua ditadura da felicidade presente nas pílulas que muito lembram a SOMA. Admirável mundo novo esse que me encanta, tanto quanto os marinheiros de Ulisses seduzidos por Circe. E nesse cenário, temo por não ser digno de receber de Hermes um broto da erva que me faça resistir a tais encantamentos.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

XI - Réquiem para Joaquim


Segue mais um capítulo do Réquiem para Joaquim, escrito nas noites chuvosas e frias desse inverno. Que seja de seu agrado, meus caros.

XI – E, se for preciso, apenas não faça nada.

Acordei com frio e com uma fraqueza tamanha. Acordei em meio a tudo que estava espalhado em minha vida. Foi assim, meus caros, que despertei naquela manhã silenciosa. Os remédios haviam cumprido sua promessa e, agora, eu havia acordado ou retornado de uma viagem inesquecível. Na dúvida, aceitei o desafio e revirei várias roupas pelo quarto, preparando-me para a jornada.

Olhei meu rosto no espelho e, em um ímpeto de raiva, esmurrei o espelho, cortando minha mão. A raiva daquela imagem, agora já distorcida, me fez chutar algo que estava no chão e, então, um copo se partiu. As coisas não estavam bem. Ao ver as gotas de meu sangue caindo ao chão e manchando as roupas e o tapete, percebi o quanto era frágil, o quanto era humano e que minha condição de mortal em sua fragilidade doentia me exigia uma resposta. Ainda que estivesse autorizado a errar, eu deveria ter forças suficientes para logo adiante ser mais e melhor. Era disso que se tratava a vida e eu estava falhando comigo ao continuar errando.

Lavei as mãos e, mesmo assim, o sangue corria como o leito de um rio revolto. Enrolei minha mão em uma camiseta velha e pressionei para estancar o sangue. Depois de um tempo tudo parou. Até mesmo a raiva de mim. Como tinha pressa, larguei a camiseta no chão e fui. Disse “até breve” para Colombo e segui rumo a minha vida.

A noite quente de Caracas me recebeu tão graciosa que acreditei estar, realmente, fazendo as pazes com meu passado. Fui direto a um hotel do centro e me hospedei no quarto 503. A vista era muito agradável, e da pequena sacada eu via a imensidão do azul da piscina. Fumei um cigarro enquanto colocava uma dose de whiskey em meu copo. Liguei a televisão e, no canal interno do hotel, Miles Davis preenchia meu coração com “Blue in green”. Apesar da viagem ser cansativa, eu me sentia tão tranquilo que não vi as horas passarem. O vento cintilava ao redor de meu corpo cansado. Quando os cigarros acabaram, adormeci entrelaçado as minhas lembranças.

No dia seguinte fui até o cemitério “General Del sur” e, após algum tempo, encontrei os túmulos de Alicia e Henrique. Depositei rosas brancas em seus túmulos e então permaneci sentado em silêncio, procurando acalentar meu coração nas recordações de Alicia e na certeza de que ela cuidava de nosso pequeno onde estivesse. Quando decidi me levantar e sair, senti meu mundo girar e acabei por errar a saída. Caminhando por entre os túmulos, fiquei pensando em tantas coisas e me questionei sobre a razão de minha vida e minha vinda a Caracas e, para meu espanto, a resposta estava na Cruz Mestra no centro do cemitério. A alta cruz branca, rodeada de velas e flores trazia inscrito PAZ, disposta tanto na vertical quanto na horizontal.

Compreendi que se tratava de um sinal e, posso confessar-lhes, que aquilo me trouxe um sopro de tranquilidade. Caminhei por entre as ruas tão mudadas daquela velha cidade que havia me abrigado em tempos difíceis. Como eu havia sido feliz naqueles tempos com coisas tão pequenas. Parei em alguns lugares, mas os rostos, agora estranhos, não me diziam mais nada. De alguma forma eu havia cumprido minha missão. Era hora de seguir sem olhar para trás.

Voltei para o hotel com a indubitável certeza de um novo destino. Até pensei em visitar antigos amigos, mas não poderia contraria o universo naquele momento. Quando o restaurante do hotel começou a servir o almoço eu já estava sentado nas cadeiras charmosas de um deck próximo a piscina. Sem muitas demoras fui ao aeroporto, o avião partiria logo no fim do dia.

A manhã cinzenta e fria de Paris me recebeu com o vento batendo em meu rosto como que querendo me abraçar. Logo eu estava, outra vez, na frente do Cluny Sorbonne. Pierre, um bonachão que parecia ter a idade daquelas paredes, ainda lembrava de mim e me chamou pelo nome. Quase me senti em casa. Enquanto fazia o check-in ele me perguntava de Colombo. Ao contrário da noite anterior, eu estava muito cansado e, após um banho quente, apenas me restava dormir. A garrafa de whiskey que Pierre havia, gentilmente, solicitado que deixassem em meu quarto, ficaria para outro momento.

Apesar do ímpeto que me levara a Paris, sentia-me tão confortável naquela cama que acordei próximo ao meio dia. Era estranho, mas cada vez que me olhava no espelho, sentia-me melhor, com mais cor, com mais brilho, com uma certa esperança, ainda que o olhar ainda trouxesse um sofrimento ímpar.

O almoço foi na última mesa do restaurante do próprio hotel, de forma que não pudesse ser importunado. Sai pelas charmosas ruas de Paris e comprei as flores mais bonitas possíveis, para depois, descer as escadas do metrô. Notei o contraste entre as flores e o cinza da maioria de pessoas que, em silêncio ou em babélicas conversas, acompanhavam meu destino, ainda que por um tempo. Tentei imaginar quantos me encorajariam se soubessem de meus propósitos. Uma menina acompanhada de seu avô me sorriu e logo desceu.

Em pouco tempo eu já estava numa rua qualquer ou, talvez, na rua que me traria respostas. Por um momento me detive, observando o discreto letreiro da “livres et papeterie Fernet”. Na verdade fui praticamente arrastado por duas senhoras que, apressadas, entravam agora. Deparei-me com Sophie e ela ficou totalmente sem reação diante de minha estagnação. Incomodada, pediu que uma funcionária mais velha continuasse o atendimento das senhoras que pareciam mal humoradas e veio ao meu encontro.

O tempo não parecia ter passado para ela e sua jovialidade ainda lhe dava formas tão dóceis e um olhar tão encantador. Parada em minha frente, contemplou-me por algum tempo, até acabar por me abraçar, numa mistura de riso e lágrimas. Senti em meus braços o doce amargo da saudade e da descrença, no afago de uma pele estranha, alguém que eu já desconhecia, como se fosse outro corpo e outra alma, jamais as de minha amada.

- Joaquim! Eu não acredito que você esteja aqui na minha frente. Não sei o que lhe dizer ou como me portar. – Suas mãos pareciam incomodar-lhe – Eu achei que você estivesse morto!
- E eu estava. – limitei-me a sorrir nervosamente com o canto da boca, muito desconcertado pela situação.

Notei que ainda segurava o ramalhete de flores e então as entreguei. Ela, estranhamente, apenas largou-as sobre o balcão. Posso parecer precipitado, mas senti as flores murchando no toque das finas mãos de Sophie. Creio que ali estava outro sinal.

- Sophie! Eu gostaria de conversar com você, mas não quero atrapalhar seu trabalho.
- Preciso de um segundo, volto logo. Sente-se e me aguarde.

Por mais que o tom de sua voz fosse de repentina alegria, ela saiu, pegando as flores e entregando para sua secretária que recebeu a incumbência de colocá-las em um vaso com água. As fileiras de livros acompanhavam agora, solidárias comigo, o murchar das flores diante de tanta indiferença. Lembrei-me que essa era a beleza das flores, murcharem para mostrar a efemeridade do tempo.

Sophie apareceu minutos depois, com uma roupa cinza que, apesar de tudo, ainda lhe dava um ar de beleza. Saímos para caminhar e meus pés nos conduziram aos jardins do Louvre. Sentamos próximo a um chafariz e fiquei observando a beleza do lugar. Após algum tempo de silêncio em que parecíamos tentar recompor uma eternidade de ausência, começamos a conversar. De certo modo, nenhum dos dois se sentia preparado para conversar sobre a noite em que Sophie, simplesmente, desapareceu de minha vida.

Não aguentei a angústia que arrebatava meu coração e lhe pedi que me dissesse o que havia acontecido. Fugindo de meu olhar, Sophie fitava o balançar das folhas dos plátanos. Nesse transe, ainda sem olhar para mim, ela respondeu.
- Eu fiz o que me pareceu certo.
- Como assim Sophie? Não consigo entender. – Eu estava exaltado pela resposta tão simples que ela me oferecia.
- Eu fiz o que me pareceu certo.
- Tentei durante tantos anos compreender o que eu poderia ter feito para que você tivesse sumido.
- Joaquim. Eu me apaixonei por você, mas nosso amor seria impossível. Você era apenas um estrangeiro cheio de sonhos, mas sem posses ou condições financeiras. Como eu poderia lhe apresentar para minha família?
- Não acredito no que estou ouvindo, Sophie. – suas palavras, ainda que despretensiosas, machucavam, com tanta força, meu coração.
- Eu fiz o que me pareceu certo, Joaquim. Você não me amava verdadeiramente, não seja tolo!
- Isso não é verdade, você foi fraca e egoísta, Sophie!
- O que mais? Fale! Ofenda bastante!
- O tempo pode ter passado para nós, mas eu ainda sei quando você mente, pois, nessas situações, você não responde o que pergunto, mas apenas diz “o que mais”?
- Joaquim, nosso relacionamento não se manteria ao longo do tempo. Você era inconstante como o vento!
- Sophie, você está me chamando de pobre? Foi por isso que você preferiu sumir da minha vida? Por eu ser um pobre estrangeiro?
- Joaquim, não seja tolo. Sempre admirei sua inteligência e a forma divertida de me intrigar com seu conhecimento, mas você não tinha futuro.
Indignado com tais perversas palavras, agora eu começava a remontar um quebracabeças de tantas peças faltantes.
- Muito bem Sophie, já entendi o que você pretende dizer, e já me basta para o dia de hoje. Percorri o inferno perdido na certeza de ter perdido você e ao descobrir que você ainda estava viva, só tive a intenção de reencontrá-la, pois convivi durante anos com uma ferida aberta, pela sua ausência. Agora descubro que não era digno de estar ao lado da Madame de Fernet.
- Joaquim, não precisa me ofender!
- Não estou lhe ofendendo, mas veja o que falou!
Decidi levantar e sair, mas ela me segurou pelo braço.
-Joaquim, espere. Não vá. Ainda não.
- Não há motivo ou razão para eu ficar, Sophie. Resolvido o passado, agora é hora de pensar no futuro, e não será ao seu lado. Você me traiu da forma mais cruel possível.
- Eu não lhe traí. Tenha certeza disso. Eu não lhe traí. Segui apenas a razão.
- Como tratar o amor mais puro e verdadeiro com razão?
- A razão precisou falar mais alto, e precisei guiar meus instintos para no futuro não sofrer. Amei-o o suficiente para deixá-lo ir.
- Pois bem. Se assim o fez, é porque não me amou. Precisei sofrer tanto por você, para no final, perceber que nossos caminhos eram distintos, pois no fundo, não éramos nada iguais, éramos apenas dois estranhos com carência de amor, tentando nos apoiar na carência do outro.

Ela levantou e então, estendendo a mão, me pediu:
- Você vem comigo?
- Não Sophie. – Disse-lhe com muita tristeza e coragem. Nossos caminhos não se cruzam mais nessa jornada. Aguardarei você partir e tomarei a direção contrária.
- Como se fosse possível outro destino! Tão tolo Joaquim!
- Eu amei a pessoa errada. Apenas isso. Amei que não estava disposta a me amar. Isso é um fato, ainda que o mais dolorido de todos.
- Fala no amor como se a vida se resumisse a isso.
- Então a tola és tu, pois a vida sem amor é como um corpo sem alma.
- Você e suas poesias baratas, não é a toa que o melhor foi tê-lo deixado.
- A poesia barata que um dia lhe fez sorrir?
- E se sorri, do que me adiantaria! Viveria uma vida de sorrisos simples ao lado de um jovem sem futuro?
- Estou cansado. Agora é hora de você ir. Volte para sua vida medíocre. Eu tratarei de seguir um novo caminho.
- Vejo que está desapontado comigo, Joaquim!
- Não Sophie. Eu estou desapontado comigo, por acreditar em você.

Foi assim, meus caros, que, com o coração feito um cristal quebrado pelo descuido do amor de uma mulher, em tantos pedaços quanto imagináveis, eu segui, sem rumo, pelas ruas frias de Paris. Engraçado agora estar assim tão perdido, mesmo tendo encontrado a paz que havia buscado e da qual fugi por tanto tempo.

No final daquela tarde cheguei ao hotel e fui direto para o chuveiro. Dessa vez não escutei qualquer voz ou presságio. Apenas o som da água que caía, e, junto com tantos pensamentos, seguia pelo ralo. Não conseguia entender como parecia tão difícil que pudesse ser feliz. De certa forma, compreendi que nunca me permiti ser feliz, amparando-me nas recordações de alguém que, de forma cruel e consciente, permitiu-se se afastar de mim e me isolar no ártico da saudade. O velho dilema voltava agora a minha cabeça, nesse instante: como abrir uma porta que já estava aberta?

Recostado na cama, comecei a folhar Bukowski enquanto uma barata correu de lado a lado do quarto. Pensei em levantar-se e matar a infeliz, mas hesitei, pensando ser uma parenta de Kafka. Ri sozinho e preferi continuar a leitura, até adormecer.

Foi fácil abrir os olhos para aquele dia, ainda que sem qualquer perspectiva do que seria feito de tal imediato. Aproveitei para passear pelas ruas desconhecidas, por entre pessoas desconhecidas e por uma vida que se iniciava no instante em que apoiava um passo atrás de outro, no concreto antigo daquelas ruas. Resolvi afinar meu francês e comecei a conversar com um senhor que estava sentado em um bistrô, bebendo sua taça de vinho.

Seu cão o acompanhava na apreciação do passar do tempo e tivemos uma conversa muito proveitosa. O Senhor Jean Le Mars era uma pessoa fascinante. Logo me contou sobre sua vida, sobre as guerras que havia enfrentado, sobre a tristeza dos amores partidos e do dia em que, ao retornar para sua cidade natal, viu sua casa, a casa que habitar quando fora criança, destruída pelo tempo.
- Joaquim, meu jovem, a vida é muito curta para sofrimentos. – os olhos se enchiam de lágrimas ao lembrar de tantas coisas que havia passado.
- Mas o que fazer com pensamentos que atormentam tanto, Monsieur Le Mars?
- os pensamentos são como pedras que carregamos em nossa alma, Joaquim. Quantos realmente você deseja continuar carregando?
- Tens razão, Monsieur, tens razão!
- Não Joaquim. O tempo é o senhor da verdade e foi ele quem me ensinou. Aproveita esse ensinamento enquanto tens uma vida. Que teus anos vindouros sejam os melhores.
- Temo não ser possível. O que eu devo fazer?
- Joaquim, temes o que, afinal? Repensa o que peso de cada pedra e o que deseja realmente carregar em tua caminhada. Ouça a voz do silêncio e, se for preciso, apenas não faça nada.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Discoteca - e na vitrola agora toca...

Marinheiro Bob, em suas navegações, encontra peças preciosas....

abaixo uma canção para aquecer os corações e rememorar os anos 80....

terça-feira, 14 de junho de 2011

Esquecer para não sofrer?

Esquecer para não sofrer?
por Alexandre Nicoletti Hedlund


Pensando um pouco em política, ou melhor, pensando um pouco mais sobre política, enquanto ouvia algum noticiário sobre as diversas questões políticas que esse país continental bombardeia por dia, detive-me pensando em um fato ocorrido há poucos dias, mas que saí de foco rapidamente, vítima ( sim, vítima) de outras notícias das mais diversas naturezas.

A poeira que vem do Chile, a chuva que destrói a China, o brotinho que mata a Alemanha, tudo acaba servindo de pretexto para se esquecer do Brasil e das coisas que os brasileiros privilegiados em sua atividade democrática tem feito. Não falaremos mais sobre a corrupção que assola o país de norte a sul e trabalha como verme em madeira sã?

Esquecemos tais lesões a nossa cidadania para não sofrer, do estilo: "eles só batem em nossa cidadania quando precisam, mas precisam todo dia!!".

Acho que precisamos repensar até que ponto essa passividade latente na comunidade brasileira é salutar, pois de nada adianta modificar tantas leis como se está a fazer, se, por outro lado, não há questionamento com relação a quem modifica tais leis.

Não seria oportuno uma medida protetiva contra a corrupção?

Preciso refletir mais sobre, mas acho que por enquanto, vamos apanhando, vamos esquecendo, vamos perdoando, até o dia em que seja tarde demais.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Réquiem para Joaquim - Capítulo X

Embora eu tivesse prometido que esse projeto teria apenas 10 capítulos, conviver com Joaquim, durante tantas páginas e histórias, fez-me seu amigo, de forma que, autorizado pela brevidade da vida que nos cerca, preferi escrever mais uma ou outra linha, transformando o "X" capítulo em dois ou três.
Por isso, segue abaixo, o X capítulo que, se apresenta como tal, jamais como o último. Alterei coisas nos primeiros capítulos, mas deixairei tais mudanças para a edição em livro (sonho que um dia realizarei).

Que apreciem Joaquim.


X – Joga-te e descobre

A escuridão cobria minha visão como nas noites vazias, frias e silenciosas do prenúncio do inverno. Em meio àquela escuridão houve luz e novamente a escuridão. Depois a visão ficou turva por uma névoa que surgia lentamente. Logo um vulto se aproximou envolto à neblina e, mesmo a distância, eu o reconheci.
- Caronte, meu velho amigo!
Ele apenas se limitou a sorrir o sorriso dos justos.
Agora eu me dava conta de onde estava e, principalmente, o que derradeiramente seria feito.
- Que belo barco escolhestes para a jornada!
Ele me encarou de alto a baixo, enquanto eu apalpava meus bolsos na vã tentativa de encontrar as moedas.
- Joaquim, seu tolo! Como pretendes viajar se não podes pagar o preço?
- Creio que me pegastes desprevenido.
- Tolo, tu te preparastes tanto para essa jornada e esquecestes do pagamento? Lamento mas te custará caro.
- Como assim?
- Não percebes que a travessia das vidas mal vividas, incrustadas de tristeza e amargura, custa muito além do que tu podes pagar.
- Caronte, meu nobre barqueiro! Não consigo compreender o que pretendes dizer.
- Acompanho tuas amarguras há tanto tempo Joaquim, ou tu pensas que os que habitarão o submundo não são acompanhados desde que começam a desprezar suas vidas?
- Quanto trabalho! – lamentei o labor de Caronte.
- Tu não imaginas quanto, mas gosto do que faço e o chefe não costuma aparecer por aqui. Sou praticamente um autônomo.
Rimos em meio à neblina que envolvia o barco.
- Por acaso tu não tens uns copos para um drink?
Assustado Caronte me olhou.
- O quê? Mesmo nessa hora tão tua tu pretendes beber?
- Se a hora é minha, vamos beber em grande estilo. Acompanha-me?
- Não sei se devo, estou dirigindo.

Rimos novamente e percebi que lhe faltava companhia nesse lugar esquecido pela luz. Embora não tivesse trazido as malditas moedas, não me esqueci de minha preciosa garrafa de Whiskey. Servi-lhe uma generosa dose e aproveitei para acender um cigarro.  O barulho do isqueiro ecoou pela escuridão. Sentamo-nos.
Confesso-lhes, meus caros, que foi uma conversa muito agradável.
- Não lembro de alguém que tenha aparecido com uma dessas especiarias. – Caronte sorvia a bebida com muito apreço.
- Pois então brindemos a vida e a morte!
- Não meu caro, brindemos a vida, pois eu sou a morte.
- Caronte – eu não conseguia parar de rir – tu és uma figura! Se os mortais soubessem o quanto tu és divertido, não lhe temeriam como a morte!
- Joaquim – ele não conseguia parar de rir também – tu és tão amigável quando queres que não consigo entender como deixou tua vida se esvair pelo ralo.
- Também não sei direito, meu caro, mas a vida não foi justa comigo por tanto tempo, deixando as pessoas que mais amei irem com o vento. Quando me vi no espelho, já não me reconhecia mais, já não tinha um sorriso a oferecer, não tinha mais sentido em buscar alguém, pois logo tu farias o teu serviço e eu ficaria sozinho novamente.
- Apenas faço meu trabalho! Espero que entendas!
- Compreensível, mas me questiono a razão de tantas vezes tu ter conduzido meus mais próximos. Por que trouxestes Alicia e meu pequeno filho?
- Eu não os trouxe, eles foram à luz.
- E Sophie?
- Sophie não morreu.
- Não morreu? Então o que houve com ela, pois eu a procurei por tanto tempo e nunca obtive nenhum sinal.
- Não pense mais nisso. Esqueça. Não há mais tempo para isso.
- Tentei esquecê-la, mas não consegui. Amei-a com tanta ternura que minha vida terminou quando eu a perdi. Dali em diante foram apenas tropeços e erros acumulados ao longo do trajeto.
- Joaquim! Creio que seja tarde para falarmos dela. Conte-me mais de Colombo. – Caronte parecia incomodado com a conversa.
- Espere um pouco. Antes me diga o que pretendes esconder mudando o rumo da conversa.
- Não posso falar sobre Sophie, ordens superiores.
- Como assim? O que está acontecendo aqui?
- O chefe me mata se eu contar!
- Caronte, mas tu és a morte. Logo, não podes morrer.
- Está bem! Tu tens sido uma boa companhia e sempre torci que tu vivesses plenamente.
- Conte-me então.
- Em algum momento daquele dia em que tu te encontrarias com ela, houve alguma coisa que mudou o rumo das coisas. Por escolha dela e dos caminhos que ela pretendia seguir, ela não foi ao teu encontro.
- Custa-me crer nisso que me contas.
- Pois é a verdade. Na noite em que vocês se encontrariam e que tu pretendias oficializar o pedido de casamento, ela, pressentindo tal acontecimento, preferiu silenciar o coração e deixou que tu fosses embora. Não duvido que ela até o amasse, mas foram escolhas dela. Adiante ela se arrependeu, ao que me consta, mas alguém próximo a ela, querendo o afastamento de vocês, tratou de informá-la que tu tinhas morrido no regresso, de forma tão verossímil que ela, relutante, acreditou.
- Meu Deus, o que é isso que tu me contas!
- A verdade. Ela sofreu durante algum tempo e nunca se recuperou totalmente, mas a vida seguiu.
- Mas onde ela está agora?
- Ela vive em Paris. Não se casou embora os pretendentes fossem tantos. Tem uma livraria perto do Louvre. Creio que tu passastes na frente com Colombo, mas não a observou.
Fora de mim, levantei e tentei ver uma saída.
- Preciso voltar a viver!
- Tenha calma Joaquim! Não há saídas aqui.
- Caronte, meu ilustre barqueiro, se há entrada, há saída. Eu preciso voltar a viver! Tu não entendes que a razão do meu sofrer se constituiu em não ter Sophie ao meu lado? Agora que sei a verdade, preciso regressar e ser feliz!
- Pobre Joaquim, como pretendes me convencer que tua felicidade dependia de outra pessoa? Tolo és tu ao pensar assim. A felicidade deve estar em ti, nos teus atos, na tua disposição para a vida.
- Caronte meu nobre! Ajuda-me! Ajuda-me!
- Temo não poder ajudá-lo.
- Mas eu preciso entender isso antes de fazer a travessia. Essa é a razão de tal conversa, que eu entenda os motivos!
- Está bem, mas há uma condição!
- Qual seja, estarei disposto.
- Quero que tu dês uma prova de amor verdadeiro pela vida ao retornar para tua vida. Recomeça a viver e seja teu maior amigo, seja aquele que te protege de ti mesmo nos momentos de fraqueza. Aquele que te fortalece e te dá inspiração para viver plenamente a vida pelo tempo que te restar.

Estava realmente surpreso com a proposta de Caronte, pois esperava algo totalmente diferente. Refleti e então lhe disse:
- Está bem, eu aceito a condição, mas peço que eu possa retornar de tempos em tempos para conversarmos.
- Tua disposição me deixa feliz, embora não seja comum que eu, o barqueiro, sinta-me feliz!
- Agradeço-te, oh Caronte, pela confiança.
- Pega em teu bolso esquerdo uma moeda de cobre, segura-a na mão, e pula na água.
- Como assim? Não tenho nada nos bolsos.
- Tu achastes que teríamos uma porta aqui? Quem garante que isso não é apenas um sonho, meu nobre Joaquim? Joga-te e descobre se tu não estás a dormir.
Aquilo ecoou em minha mente. Uma angústia tomou conta de mim.
- Não serão os teus lamentos como a névoa que encobre a noite, mas que se dissipa ao calor do sol? Será que não encobres tua vida com uma névoa, impedindo que o calor do sol dissipe-a e tu possas ver claramente as belezas da manhã?
- Joga-te e descobre!

domingo, 5 de junho de 2011

Felicidade vol. 2

Fantástico...

já me deu várias ideias para novos projetos....

Felicidade nos tempos da era digital

Em um frio domingo de junho eu me senti tão triste e uma fraqueza tomou conta do meu peito. Talvez a falta de sol, talvez a postura, talvez tanta coisa que a própria indefinição das coisas pudesse provocar.
Assim, caminhei passos pesados contra o vento e de certo modo, quando percebi, já estava no sol, já estava melhor, já estava aquecido e a cantar... 

o que eu cantava? poderia ser um segredo, mas acima de tudo, devemos, em tempos digitais, compartilhar a simplicidade das coisas que possam trazer felicidade as pessoas.

escutem o que eu cantava hoje quando dia parecia iniciar tristemente...
Lupicínio cantou comigo...