segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Réquiem para Joaquim - Capítulo III

Segue abaixo o terceiro capítulo desse pequeno conto que tenho escrito em horários de folga.

Réquiem para Joaquim
Por Alexandre Nicoletti Hedlund


III – Muito feliz com sua vidinha medíocre

Proponho-me a contar o fato inusitado, mas antes tenho uma condição. Por muito mais que mero capricho, prefiro narrar com outras personagens, afastando assim, de certa forma, lembranças maiores de tal acontecimento. Não espero causar grandes impactos ou proporcionar efeitos especiais, mas apenas dar uma pitada romanesca para essa breve história.

Pois bem, condição aceita, passo então a narrar a história de Boris.

Boris foi acertado em cheio por um encontro inusitado que lhe ocorrerá no último novembro. A princípio era apenas um dia qualquer, daqueles em que a vontade de acordar era menor que tudo. Caia uma fina garoa, cobrindo toda a cidade como um manto cinza claro jogado sobre a cama. Apesar de tudo, era preciso levantar.

Boris estava contemplativo quando o telefone tocou. Seus pensamentos se dissiparam pelo toque estridente, mas ao atender se inconformou, por tratar-se de um engano. Tentou puxar assunto com o desconhecido que desejava falar com uma tal de Carlota, mas esse não lhe deu atenção, desligando em seguida.

Boris se dirigiu então até a cozinha para pegar um copo de suco, pois estava parando de beber. Na entrada do ambiente se deparou com seu cão – Napoleão – que estava abatido e resfriado. (Não que Colombo fosse se incomodar, mas fiz questão de trocar seu nome também, para evitar-lhe maiores transtornos ou questionamentos).

Boris procurou uma resposta rápida para o mal estar de Napoleão e lembrou-se que, a porta da sacada havia ficado aberta e Napoleão havia dormido, durante grande parte da noite, no lado de fora. É provável que a brisa da madrugada lhe tivesse feito mal. Como Boris e Napoleão partilhavam uma amizade baseada na confiança, Boris fez questão de levá-lo a uma clínica veterinária.

Sentado na sala de espera, Boris ficou pensando nos caminhos que sua vida havia tomado, pois aos 42 anos ele tinha muito pouco do que se orgulhar ou para contar. Sua carreira como engenheiro civil já estivera bem melhor e o álcool e a solidão se tornaram eternas amigas que – cruéis por natureza – faziam questão de lembrar-lhe de seus fracassos.

- tosse canina! – disse uma voz que, de fora a fora, cortou os pensamentos de Boris.

Boris concordou com a cabeça, enquanto tentava retornar a realidade ou terminar seu devaneio.

- Senhor Boris, o senhor está me ouvindo?  - Insistiu a suave voz.

Ao olhar para cima Boris viu uma bela escultura feita por Deus. Envolta em suas roupas brancas, Anita se abaixava na direção de Napoleão que, procurando causar inveja no pobre narrador, recostou-se nas pernas daquela menina tão linda. O coração de Boris bateu tão acelerado que parecia querer entrar em colapso.

Anita percebeu isso e rubrou o rosto, tentando disfarçar a reciprocidade instantânea de desejos. Boris agiu como se tudo lhe fosse íntimo e, olhando nos olhos dela com a certeza da vitória em mil batalhas, convidou-lhe para uma jantar. Certa de ter conquistado mil reis ela aceitou.

Dois dias depois Boris estava sentado no La Vilette, um restaurante caríssimo da cidade. Logo Anita estava sentada em sua frente, usando um incomensuravelmente fantástico vestido vermelho que contrastava com sua bela pele clara e olhos azuis.

Porém, para a surpresa de Boris, Anita era apenas uma capa bonita, não tendo em suas folhas pouco mais do que algumas informações introdutórias. Nos trinta minutos iniciais, tratou apenas de falar de seu corpo, de sua dieta, e de sua vida robotizada e descartável, produto de uma sociedade fútil. (Para alguns amigos de Boris essa seria a mulher ideal, bonita, mas desprovida de senso crítico ou opinião própria sobre a política, a arte, a economia, ou até mesmo sobre a literatura).

Descontente com a eminente conquista, Boris procurou ser o mais desagradável possível, aproximando-se do que poderia ser caracterizado como arrogância. No começo, Anita estava apenas levemente incomodada, mas logo passou a se ofender.

Mas ainda restava uma cartada final para Boris.

Pediu licença para ir buscar algo no carro e voltou, segurando um livro em suas mãos. Ainda de pé, estendeu o braço na direção de Anita e disse-lhe, sorrindo:

- Leia quando tiver um tempo. Com certeza lhe fará bem. Assim teremos um assunto interessante para conversar.

Os olhos de Anita misturavam matizes de raiva e de pura ofensa.

- O que é isso, Boris? Falando assim me ofende. Como pude me apaixonar por você? – já levando as mãos em direção do rosto, começando a, copiosamente, chorar.

- Hey baby! Como pode estar apaixonada? Nós nos conhecemos agora?
- Como você é insensível! Eu quero viver um romance com você! – ela parecia aumentar o drama novelesco.

Sorrindo e sabendo da crueldade das próximas palavras, Boris lhe disse:
- Faça o seguinte, querida. Se você quer um romance, leia esse livro. 

Boris deixou o livro em cima da mesa, virou as costas e saiu.

Lamentou sua atitude, mas era necessária.

Pegou o carro e saiu em direção a sua casa, muito feliz com sua vidinha medíocre.

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