quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Que dia para um suicídio!

Que dia para um suicídio!
Por Alexandre Nicoletti Hedlund

Conforme o tempo passava, ao longo da noite
Chegou à constatação mais verdadeira
Que um poeta pode sentir
Pois, tendo secado seu pranto, sua dor
Resolveu-se, por certo, morrer

Mas como só se morre uma vez
É necessário se fazer tudo perfeitamente
Detalhe a detalhe cuidar
Sob pena de, assim não agindo,
Morrer de vergonha depois

Decidiu-se ao triste fim chegar
olhando carinhosamente seus erros
suas falhas, brigas e poucos acertos
e assim relutou em dormir
para contemplar o esplendor do céu

e adormeceu rendido pelo sono
que também quis lhe visitar
nessa última noite para se sonhar
mesmo que não dormisse muito, confessa
pois queria, o último dia, aproveitar

E que belo dia para ser o último!
Pensou consigo,
Um dia de amanhecer cinza
Mas que se enche de azul logo tão cedo
E merece ser vivido

E fez questão de caminhar pela manhã
Apenas para esticar um pouco as pernas

Depois, ligou para alguns bons amigos
Sem nada lhes dizer sobre o futuro
Mas falando carinhosamente a cada um
 de lembranças em comum
do respeito à amizade

Depois ligou para sua mãe, para seu pai
Ao seu irmão deixou para mais tarde
Mas faria questão de falar com todos
Pelo menos um pouquinho
para guardar consigo a voz de cada um

na hora do almoço, preferiu ir à igreja
aproveitar um pouco daquela serenidade
que incrivelmente
só se encontra lá,
não importa o credo.

Porém, temeu, que ao chegar ao céu
Já tivesse perdido a hora da refeição
E, por isso, preferiu ir a um bom restaurante
Onde teve certa dificuldade em escolher o que por no prato
Afinal, morreria sem nunca ter comido “arroz chinês”?

E, após a refeição feita em silêncio
Na qual pode contemplar transeuntes
Rostos e rostos que por ele passaram
Viu uma menina beijar o rosto do pai
E sentiu que ali havia amor

Saindo dali, resolveu-se a ir para casa
E autorizado por si mesmo
Optou em dormir um pouquinho
Coisa mais boa, poder dormir depois do almoço!
Que dia!

Leu um pouco, refletiu sobre a vida
Trabalhou em algumas coisas suas
Desistiu de outras que não queria mais carregar
Tomou uma dose de seu whiskey preferido
E se sentiu bem, por aproveitar tão bem seu dia

E quando entardeceu, tomou um banho
Saiu caminhar e pode ver o sol se pôr
Depois foi conversar com algumas pessoas
Onde encontrou em gestos simples
A compaixão de querer bem, por simples querer

Por último, dirigiu-se ao seu templo secular
Onde queria se despedir da vida boêmia
E lá, cercado de uma festa inusitada
Em que só se poderia celebrar a vida
E dar risada da morte

Ele finalmente percebeu
A maravilhosa dádiva que foi
Escolher o próprio dia para morrer
E que realmente havia aproveitado tanto
Tantas coisas que lhe faziam bem

Que dia para um suicídio!
pensou embriagado de alegria
e diante de tantas coisas boas
feitas a partir das escolhas do dia
é que decidiu, simplesmente

fechou os olhos, e com os braços abertos
diante da janela entreaberta
sentiu o vento lhe abraçar
e pode agradece em silêncio
Obrigado Deus!

E foi então que percebeu o presente divino
que se constitui em uma coisa tão singela
O poder de escolher os caminhos
Que fizeram de seu dia amargurado
Um belíssimo dia de recomeço

Cheio de vida!  - pensou consigo
E isso, fez toda diferença...
pois aproveitou cada instante
de cada dia, com cada pessoa
e apenas com coisas que lhe encheram de vida plena


e a morte? e o suicídio?
acalme-se, meu caro...
suicídio é a dúvida, trate de saná-la
morte? morre apenas quem não vive
jamais um transeunte indelével.

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