sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Da série: A fotografia que contigo conversava...

 

Existem fotografias que nos despertam pensamentos, alegrias, sentimentos. 

Eis que algumas, em seu silêncio costumeiro, parecem querer conversar, trocar uma ideia, papear sobre o passado e o futuro...

Veja essa fotografia, quantas histórias terá esse velho para nos contar?

Confesso que ele já me contou algumas que rascunhei no poema que pretendo postar amanhã...



terça-feira, 26 de outubro de 2010

A luta contra o câncer de mama

 Nessas minhas caminhadas, transeunte que sou, encontrei uma causa pela qual todos devemos lutar, todos devemos divulgar, todos devemos colaborar. 

Por isso, indico os sites abaixo, alguns oficiais, outro de uma amiga querida que demonstra, a cada dia, mais vida e alegria.

            www.espacodevida.org.br


Ainda vou fazer um poema sobre isso, mas fica para outro dia... pois a luta continua... para além de outubro.

Abraços e se cuidem,

Alexandre.

domingo, 24 de outubro de 2010

Réquiem para Joaquim - Capítulo V

Segue abaixo o quinto capítulo desse pequeno conto. Minha proposta pessoal é escrever dez capítulos. Assim, agradeço aos leitores pelas cobranças pelos próximos capítulos.



Réquiem para Joaquim
Por Alexandre Nicoletti Hedlund


V – com todo o meu ser, quis voltar para as estrelas

Noite adentro, as horas avançavam como cães selvagens, mas isso não me causava espanto ou medo. Apenas não conseguia, simplesmente, fechar os olhos. Simplesmente. E, mais que simplesmente, os pensamentos rondavam a fumaça do cigarro que acendi. O último refúgio foi apoiar-me na janela e continuar a fumar. Apesar do calor da noite, a cidade estava silenciosa, e eu, Joaquim Rivera, apenas conseguia contemplar a imensidão do universo. Colombo ao meu lado, compartilhava tal vista. Em silêncio, dividíamos a fumaça do cigarro. Apenas dois corações partidos.

O quarto estava cheio de livros espalhados, montanhas e montanhas de papéis, que se acumularam com o passar do tempo. Mas essa disposição das coisas – magistral desorganização – fez parte de uma opção. Era cômodo ter tudo jogado sobre a cama para substituir a presença de quem não voltaria jamais. Com o tempo, foi uma opção não desfazer as malas e, depois, outra opção não fazer mais nada. A disposição das coisas não deixava dúvida sobre os erros ao longo da vida.

Colombo levantou-se, e saiu do quarto em sua velocidade habitual. Tenho que confessar-lhes, meus caros, que Colombo já tinha aproveitado várias primaveras e seu andar lhe atestava a maturidade canina. Respeitei seu silêncio ao sair.  Voltei a contemplar as estrelas.

Alguns quarteirões adiante, em um dos prédios que estragavam a beleza do horizonte, uma luz se acendeu. Pobre luz do corredor! – pensei comigo – querendo competir com as estrelas. Era uma pena, porém Colombo tinha perdido esse episódio também. Vislumbrei algumas pessoas subindo as escadas com certa dificuldade. Possivelmente, o elevador havia quebrado. Acompanhei aquela tarefa até que o timer da lâmpada deixou os pobres caminhantes na escuridão novamente. Imaginei um diálogo no escuro, cheio de raiva contra a escuridão que, inocente, continuou silenciosa, preferindo não se defender. Em uma tentativa de acendê-la novamente, é provável que a lâmpada tenha estragado, pois passou a piscar irritada.

Passei então a me questionar sobre coisas mais profundas de minha existência, dos amores perdidos, das flores partidas e de lembranças esquecidas ou apagadas pelo passar do tempo. A fumaça de um novo cigarro dançava tão bonita no contraste que fazia com o universo, que em seu esplendor me permitia ser seu observador. Por um instante, imaginei ser o único sujeito a contemplar tamanha beleza, contudo naquele velho prédio da luz que ainda estava irritada, uma pequena pontinha vermelha piscava de tempo em tempo. Quem seria o astucioso admirador que me ajudava a olhar o céu e suas estrelas?

Mais uma vez apreciando o céu, tentava compreender o porquê dos caminhos traçados ao longo da vida. E as estrelas brilhavam, sem nada a dizer. Hoje percebo que minhas mais antigas memórias estão ligadas ao céu estrelado, quando ainda era apenas um menino crescendo no interior, na pequena cidade, que cedo adormecia para logo despertar.

Certa noite, descobri, ainda menino, que era possível caminhar sem fazer barulho e desenhei um mapa que me levaria – ainda na escuridão da casa – até a janela da cozinha. Eu, então, deixei-me absorver por aquela pintura tão bela da lua que, em grande narrativa encantava todas as estrelas ao seu redor. Fitava atentamente cada estrela, imaginando se lá distante algum menino, curioso como eu, também, em passos silenciosos contemplava a minha estrela-lar.

Lembro que um dia, quando estava na casa de minha querida avó, ouvi admirado, sobre uma estrela especial: a estrela polar. Alguns a chamavam de ursa menor, e, em minha meninice, cheguei a imaginar um filhote de urso perdido no céu, mas sempre a brilhar. Feliz por minha admiração, ela então me confessou em segredo que os nossos antepassados, os piratas mais temidos dos sete mares, guiavam-se por essa estrela, pois ela sempre estava lá, sem nunca se mexer. E, garanto-lhes, meus caros, isso embalou muitos e muitos sonhos do menino Joaquim.

Naquele tempo, tudo era mais fácil, mas eu não sabia. Quisera que alguma estrela tivesse me alertado da graça em ser criança. Porém, as estrelas tinham essa beleza de se comunicar por seu brilho, por suas cores, mas nunca por palavras. E eu, só aguardava por um sinal, tentando imaginar-me pirata, em pleno oceano a navegar.

Mas, agora estava em meu quarto, tempos e tempos depois, absorto em reminiscências distantes, como estrelas. Por ironia da vida, o vento fez-se presente, rolando uma sacola, dessas que os mal-educados deixam na rua. Nessa dança mágica, meu olhar se perdeu e, somente se encontrou no letreiro de uma loja, em que piscadelas me aconselhavam: “tudo para um lar feliz”. Obrigado fui a sorrir, mas no fundo pensei comigo, como eu queria achar minha estrela polar, para que me auxiliasse a navegar por esses mares revoltos que precisava agora, aos 42 anos, enfrentar.

Talvez fosse a hora de dormir. Olhei novamente o firmamento, mas as nuvens, egoístas, como só elas poderiam ser, fizeram questão de encobrir o céu, não permitindo que eu pudesse tentar ouvir a história que a lua outra vez contava. E, nessa confusão de pensamentos e memórias, imaginei-me novamente menino, e, com todo o meu ser, quis voltar para as estrelas.

sábado, 23 de outubro de 2010

E se um anjo chorar

E se um anjo chorar
Por Alexandre Nicoletti Hedlund

Um amigo me perguntou, se eu já havia visto um anjo chorar. Olhei para um lado, tentei disfarçar, sem nada lhe responder. Afinal, os anjos que conheço sempre estão a sorrir.

Sobre o vento

Sobre o vento
Por Alexandre Nicoletti Hedlund
22 de outubro de 2010

Em silenciosas noites
De tantas chegadas e partidas
De tantos copos vazios
De tangos que não se pode bailar

Uma luz rompeu a escuridão
Por entre as frestas esquecidas
Que resignadas consentiam
Que o vento pudesse passar

E ele, sabedor de tantas coisas
Que somente cabe ao vento conhecer
Infiltrou-se nessa câmara escura
Sem deixar-se fotografar

E numa dança enamorada
Seduziu as cortinas não-brancas
Pela poeira de tantos milênios
Verdadeira poeira estrelar

Ao longe, conversas se ouviam
Risos, passos, coisas assim
Então uma porta logo se abriu
Deixaram o vento escapar

E o vento logo se foi
Pois é livre sem nada temer
Pudesse ser como o vento!
e em cálidas noites voar.

E, espanta-me que tu não entendas
A eterna inconstância do vento
Não macule a sua essência
Não queira o vento mudar.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A boca do fogão

A boca do fogão
Por Alexandre Nicoletti Hedlund

Acendeu-se a boca do fogão
E era maior do que chaleira
Fez-me pensar se no inferno
Haveria semelhante caldeira

Com comidas, garfos e pratos
A mesa tão bem disposta
Já não guardava espaço
Para alimentar nossas respostas

Assim se assinalou o porvir
Do cheiro tão forte do café
Do bater de colheres nas xícaras
Na esperança de se ter quem se quer.

Na agonia serena do pão
Que estalava sem muito esfarelar
Sentados frente a frente na mesa
Tivemos a sensação de tudo mudar.

E a boca do fogão não parava
De tudo e a todos aquecer
Mesmo que o coração esfriasse
Naquele escuro e silencioso entardecer

Depositou duas pedras de açúcar
Que afundaram no negro sabor
e a cada sorver envolto à fumaça
no peito reafirmava uma dor

Memórias tão tristes, esquecidas
em tantas histórias inventadas
dando um gosto amargo à vida
tal o suco de laranjas cansadas.

E o amargo café já esfriava
Sem nos permitir muito mais que ilusão
Pois nem o tempo silencia o calor da chama
Que a tudo observa, na boca do fogão.

domingo, 17 de outubro de 2010

Réquiem para Joaquim - Capítulo IV

Segue abaixo o quarto capítulo desse pequeno conto que tenho escrito em horários de folga.

Réquiem para Joaquim
Por Alexandre Nicoletti Hedlund


IV - Engraçado, hoje eu só me transformei em lamúrias


Nada mais correto do que desligar a televisão, diante de um noticiário que apenas repetia as mesmices do violento cotidiano dos centros urbanos. Ainda sentado na grande cadeira arranjada no centro da sala, pude observar o pó disposto nos móveis. Naquele momento, vi-me impulsionado a passar o dedo na estante, trazendo nesse gesto uma quantia considerável de sujeira, na constatação eminente da necessidade de limpar o móvel.

Por um instante, imaginei Fante[1] em seus questionamentos, mas tive de rir sozinho da inocente piada, pois Colombo estava no quintal. Embora sua maturidade sempre me impressionasse, percebi-o brincando com uma pequena bola verde. Aproveitei sua temporária distração para olhar um projeto que estava aberto em cima da mesa, afinal, Colombo não trabalhava e alguém precisava sustentar nossos vícios.

Fui virando lentamente a garrafa, ouvindo o magnífico som do Whiskey[2] ultrapassar a linha invisível que dividia o copo. O primeiro gole desceu rasgando minha garganta. Agora eu estava pronto para trabalhar. Aproximei minha banqueta da mesa e bebi outro gole, tentando apenas relaxar um pouco. Afastei algumas folhas para colocar o copo na mesa, porém percebi um livro isolado, que parecia me chamar.

De pronto identifiquei o livro, circunstância e demais contextos que envolviam aquela literatura. Movi a capa lentamente, e li a dedicatória feita por Laura, em letras tão bem escritas:

àquele que me impressionou na arte da literatura, um mimo como mostra de gratidão”

Fui jogado à esteira louca da memória e me vi em um antigo café, do centro boêmio da cidade, ocasião em que um perfume feminino rasgou o cenário, antecipando os toques dos sapatos de bico fino que adentraram ao recinto, ultrapassando rapidamente todas as mesas vazias, comprometidos que estavam com um objetivo. A mulher que os conduzia se chamava Laura.

Não haveria formas de descrever por completo quem era Laura. Uma mulher obstinada, sabedora de suas potencialidades e fraquezas, amiga e companheira da vida. Porém, totalmente indefesa – apenas uma menina – quando me via. De certo modo, meu olhar cansado, mas sincero, trazia-lhe paz e uma certeza.

Por muitas vezes senti uma mistura de ódio e lástima em sua fala, totalmente aniquilados e reduzidos a cinzas diante de um entreolhar que nos lançávamos. Essa era Laura. Uma mulher que me ensinou a arte de odiar e amar intensamente, mesmo que com isso tivéssemos de lutar a sangue e fogo, por nossa paixão. (Antes que seja tarde, preciso confessar-lhes, meus caros, que Laura já lhes é conhecida, ainda que com outro nome. Sim, meus caros, trata-se de Anita, e passarei a narrar-lhes a história desta forma, assumindo, por meu turno, a alcunha de Boris e, Colombo, se necessário for, de Napoleão).

Anita aproximou-se da mesa de Boris, e, embora ele já tivesse percebido toda a aproximação, disfarçou, inutilmente, que terminava de beber seu café. Anita colocou a mão dentro da bolsa, retirando cuidadosamente um livro, estendendo o braço singelo sobre a mesa e depositando-o próximo à xícara de café. Ainda de ponta cabeça, Boris percebeu que se tratava de um livro do Gabo. Em letras garrafais o título se estendia, “100 anos de solidão”.

– Trouxe esse livro para você, como um pequeno presente. – disse Anita, tentando não demonstrar o carinho que tinha por Boris.
– Agradeço pela lembrança, mas lamento informar, pois não tenho nada para lhe presentear em troca. – Boris, desconfortado por não saber se aquela era uma ocasião comemorativa, apalpou os bolsos de seu casaco, na vã intenção de achar qualquer coisa.
– Talvez você tenha esquecido Boris, mas esse livro é seu. – insistiu Anita.
– Sim, sim... agora é... afinal, você está me presenteando. – sorriu um sorriso debochado.
Com um olhar de pura seriedade, Anita lhe advertiu:
– Boris, eu não consigo acreditar! Você me deu esse livro há um ano e não consegue lembrar.

Boris sorriu com o canto da boca. Terminou seu café e então olhou carinhosamente para Anita, admirando-a. Depois do fatídico primeiro encontro, Anita  revelou-se outra pessoa. Obstinada em ter o amor de Boris,  provou-lhe que não era apenas uma capa bonita, mas, acima de tudo, que tinha um bom enredo e uma boa trama. Em pouco tempo, começou a discutir os livros, os filmes e as peças que Boris mais gostava. Em calorosas discussões sobre ópera ou sobre as obras de Shakespeare, demonstrou uma personalidade forte. Porém, passado esse ano, agora aparecia na frente de Boris para devolver-lhe o livro.

- Leia esse livro, está bem? – Disse Anita, sorrindo para Boris.

Anita deixou o livro em cima da mesa, virou as costas e saiu.

O golpe atingiu profundamente Boris. Por um instante, teve que sentar na cadeira de madeira a qual dava para a porta principal, ainda procurando entender o que estava acontecendo, embora já tivesse compreendido tudo. Em sua arte de moldar Anita conforme bem lhe convinha, Boris não percebeu que ela se afastava. A obra-prima não pertenceria ao seu escultor. Não havia mais nada a fazer.
  
Ainda sentado, deixou seus óculos caírem no chão, enquanto os olhos se enchiam de lágrimas, as quais lutou para que não o abandonassem, passando rapidamente as mãos no rosto para que ninguém o percebesse chorando. Pensou consigo: “engraçado, hoje eu só me transformei em lamúrias”.


[1] Referência ao autor John Fante, que, entre outros, escreveu o livro Pergunte ao Pó.
[2] Joaquim sempre teve sua preferência por beber Jack Daniels, que em sua grafia se diferencia dos demais, ou seja, a alusão ao “Whiskey” diz respeito a ele.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

melhor que 1000 gols... são 1000 visitas...

Oba... oba... Já passamos de 1000 visitas...
 Quando pelé fez o milésimo gol ele comemorou.... um monte...todo mundo fez festa...

hoje é minha vez... de comemorar o 1000 acesso...

Iniciei o blog em janeiro desse ano e era algo tão pessoal e íntimo que não tive nem coragem de anunciá-lo aos amigos...
Com o tempo a ideia parecia estar abandonada, pois não conseguia arranjar tempo para escrever e, confesso, achei que tudo "degringolaria"...

mas eis que, em um ímpeto de boa fé, resolvi criar a série - Mais difícil que postar no blog...e logo comecei a escrever os poemas e pequenos contos...

Os acessos ainda eram tímidos... mas eis que nesse último mês de setembro procurei me dedicar mais, e o resultado foi muito prazeroso para mim.

631 acessos no mês de setembro, ou seja, uma média de 21 acessos por dia. (importante destacar que os meus acessos não são contados, ou seja, são apenas os acessos dos amigos que tenho e dos que virtualmente passaram a essa condição).

Hoje, bati os 1000 acessos e estou muito feliz com isso.

Por isso compartilho essa felicidade aqui, esperando poder proporcionar bons momentos de leitura até atingirmos os 2000 acessos.

Agradeço às pessoas que têm ajudado a divulgar o blog.

Grande abraço a todos e obrigado por prestigiar os escritos e devaneios desse Transeunte Indelével.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Réquiem para Joaquim - Capítulo III

Segue abaixo o terceiro capítulo desse pequeno conto que tenho escrito em horários de folga.

Réquiem para Joaquim
Por Alexandre Nicoletti Hedlund


III – Muito feliz com sua vidinha medíocre

Proponho-me a contar o fato inusitado, mas antes tenho uma condição. Por muito mais que mero capricho, prefiro narrar com outras personagens, afastando assim, de certa forma, lembranças maiores de tal acontecimento. Não espero causar grandes impactos ou proporcionar efeitos especiais, mas apenas dar uma pitada romanesca para essa breve história.

Pois bem, condição aceita, passo então a narrar a história de Boris.

Boris foi acertado em cheio por um encontro inusitado que lhe ocorrerá no último novembro. A princípio era apenas um dia qualquer, daqueles em que a vontade de acordar era menor que tudo. Caia uma fina garoa, cobrindo toda a cidade como um manto cinza claro jogado sobre a cama. Apesar de tudo, era preciso levantar.

Boris estava contemplativo quando o telefone tocou. Seus pensamentos se dissiparam pelo toque estridente, mas ao atender se inconformou, por tratar-se de um engano. Tentou puxar assunto com o desconhecido que desejava falar com uma tal de Carlota, mas esse não lhe deu atenção, desligando em seguida.

Boris se dirigiu então até a cozinha para pegar um copo de suco, pois estava parando de beber. Na entrada do ambiente se deparou com seu cão – Napoleão – que estava abatido e resfriado. (Não que Colombo fosse se incomodar, mas fiz questão de trocar seu nome também, para evitar-lhe maiores transtornos ou questionamentos).

Boris procurou uma resposta rápida para o mal estar de Napoleão e lembrou-se que, a porta da sacada havia ficado aberta e Napoleão havia dormido, durante grande parte da noite, no lado de fora. É provável que a brisa da madrugada lhe tivesse feito mal. Como Boris e Napoleão partilhavam uma amizade baseada na confiança, Boris fez questão de levá-lo a uma clínica veterinária.

Sentado na sala de espera, Boris ficou pensando nos caminhos que sua vida havia tomado, pois aos 42 anos ele tinha muito pouco do que se orgulhar ou para contar. Sua carreira como engenheiro civil já estivera bem melhor e o álcool e a solidão se tornaram eternas amigas que – cruéis por natureza – faziam questão de lembrar-lhe de seus fracassos.

- tosse canina! – disse uma voz que, de fora a fora, cortou os pensamentos de Boris.

Boris concordou com a cabeça, enquanto tentava retornar a realidade ou terminar seu devaneio.

- Senhor Boris, o senhor está me ouvindo?  - Insistiu a suave voz.

Ao olhar para cima Boris viu uma bela escultura feita por Deus. Envolta em suas roupas brancas, Anita se abaixava na direção de Napoleão que, procurando causar inveja no pobre narrador, recostou-se nas pernas daquela menina tão linda. O coração de Boris bateu tão acelerado que parecia querer entrar em colapso.

Anita percebeu isso e rubrou o rosto, tentando disfarçar a reciprocidade instantânea de desejos. Boris agiu como se tudo lhe fosse íntimo e, olhando nos olhos dela com a certeza da vitória em mil batalhas, convidou-lhe para uma jantar. Certa de ter conquistado mil reis ela aceitou.

Dois dias depois Boris estava sentado no La Vilette, um restaurante caríssimo da cidade. Logo Anita estava sentada em sua frente, usando um incomensuravelmente fantástico vestido vermelho que contrastava com sua bela pele clara e olhos azuis.

Porém, para a surpresa de Boris, Anita era apenas uma capa bonita, não tendo em suas folhas pouco mais do que algumas informações introdutórias. Nos trinta minutos iniciais, tratou apenas de falar de seu corpo, de sua dieta, e de sua vida robotizada e descartável, produto de uma sociedade fútil. (Para alguns amigos de Boris essa seria a mulher ideal, bonita, mas desprovida de senso crítico ou opinião própria sobre a política, a arte, a economia, ou até mesmo sobre a literatura).

Descontente com a eminente conquista, Boris procurou ser o mais desagradável possível, aproximando-se do que poderia ser caracterizado como arrogância. No começo, Anita estava apenas levemente incomodada, mas logo passou a se ofender.

Mas ainda restava uma cartada final para Boris.

Pediu licença para ir buscar algo no carro e voltou, segurando um livro em suas mãos. Ainda de pé, estendeu o braço na direção de Anita e disse-lhe, sorrindo:

- Leia quando tiver um tempo. Com certeza lhe fará bem. Assim teremos um assunto interessante para conversar.

Os olhos de Anita misturavam matizes de raiva e de pura ofensa.

- O que é isso, Boris? Falando assim me ofende. Como pude me apaixonar por você? – já levando as mãos em direção do rosto, começando a, copiosamente, chorar.

- Hey baby! Como pode estar apaixonada? Nós nos conhecemos agora?
- Como você é insensível! Eu quero viver um romance com você! – ela parecia aumentar o drama novelesco.

Sorrindo e sabendo da crueldade das próximas palavras, Boris lhe disse:
- Faça o seguinte, querida. Se você quer um romance, leia esse livro. 

Boris deixou o livro em cima da mesa, virou as costas e saiu.

Lamentou sua atitude, mas era necessária.

Pegou o carro e saiu em direção a sua casa, muito feliz com sua vidinha medíocre.